A cisão das Forças Armadas é a crise das crises entre tantas encomendadas pelo presidente
Coube a um ministro, general de Exército da ativa, ocupando o cargo civil e político mais importante desta gestão, abrir uma fresta de luz sobre algo muito grave que ferve no corpo a corpo do interior do governo. Há muito se falava de uma tensão latente pela cisão que o presidente Jair Bolsonaro tenta promover nas Forças Armadas, sem que nenhuma autoridade a admitisse abertamente.
Bolsonaro tem a ascendência constitucional sobre Exército, Marinha e Aeronáutica, e é, portanto, legalmente o comandante supremo. Porém, para fazer particularmente o que deseja deste arsenal, teria de passar por cima de algumas cabeças de bom senso que têm ascendência direta sobre as tropas. Entre seus objetivos não explicitados estaria o de manobrá-las politicamente na guerra pessoal que declarou à República.
Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, o ministro mencionado, deixou nas entrelinhas da sua já célebre entrevista à Veja, semana passada, que a cisão pode estar por trás do intenso trânsito na política dos generais e coronéis da reserva, das três Forças.
Uma excitação desproporcional para quem jura que não vai deflagrar um golpe, revelada na redação de notas, advertências e presença em atos que pregam ruptura. Sem cuidados com a imagem, associam-se aos grupelhos de fanáticos que perambulam pela Esplanada em estado de provocação permanente.
Ramos deu a senha que faltava. Disse que ex-alunos seus estão atualmente no comando de unidades do Exército. “Eles têm tropas nas mãos”, avisou. Ou seja, que fique clara sua ascendência (de Ramos e, portanto, de Bolsonaro) sobre eles (alunos) e elas (tropas). Pode-se inferir que quis, com isso, evidenciar o poder de vencer a resistência dos comandantes a atuar na política.
Não há dúvidas de que armas, munições, incentivo à guerra civil, compõem o mundo bélico construído à volta do presidente e seus filhos, bons alunos de clubes de tiro. Tanto melhor se nele puder contar com os amigos que integram as tropas (armadas) do Exército, os amigos das polícias (armadas) militares, que se somariam aos apoiadores (armados) dos acampamentos e às milícias digitais.
A cisão das Forças Armadas, embutida neste enredo, é a crise das crises entre tantas encomendadas pelo presidente neste ano e meio de governo.
O constrangimento de alguns comandantes revela-se também no seu silêncio diante de tudo que se tem dito em seu nome.
Jair Bolsonaro, desde sempre atuando no informal sindicalismo militar, conquistou a admiração dos quartéis, o voto das famílias militares, o apoio eleitoral de oficiais de patentes variadas. A hierarquia e a disciplina, porém, ainda são valores essenciais para as tropas. Um limite em que se equilibram os comandantes, mas o presidente busca estreitar cada vez mais a relação pessoal e direta.
Aposta na concessão de vantagens financeiras, é fato, uma vez sindicalista, sempre sindicalista. Mas também cultiva amizades, comparece a solenidades, testa seu poder de sedução. Não se vê como poderá desistir de seus planos.
Além da divisão nas estruturas verticais, fica cada vez mais claro o incentivo ao racha entre as três Forças. Da última tentativa concreta teve de recuar sem disfarces: a criação da aviação de asa fixa no Exército. A Aeronáutica, claro, não gostou de perder uma briga antiga numa mísera canetada.
As polícias militares, conquistadas também pelo bolso, onde a disciplina e a hierarquia são valores mais frouxos, integraram-se mais rapidamente ao projeto Bolsonaro. Muitas já lhe devem mais vassalagem do que devem aos governadores. Embora as Forças Armadas olhem com certa desconfiança o movimento do presidente em direção às polícias militares, nada podem fazer quando não podem se distrair e precisam se dedicar, integralmente, à disciplina dos seus. Certamente para não perderem de vez o controle e não terem de ouvir, de um subalterno, que é Bolsonaro que o representa.
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