Saída de Mansueto expõe fragilidade de Paulo Guedes
Quem conhece o economista Mansueto Almeida sabe que ele impôs apenas uma condição para continuar à frente da Secretaria do Tesouro Nacional, a que cuida do dinheiro da Viúva: ter o apoio absoluto do chefe, o ministro da Economia, Paulo Guedes. Mansueto não chegou ao ministério com Guedes, nem mesmo com os dois chefes anteriores - Henrique Meirelles (ministro da Fazenda de maio de 2016 a abril de 2018) e Eduardo Guardia (de abril a dezembro de 2018). Sua primeira passagem pela Fazenda se deu na segunda metade da década de 1990, quando, muito jovem, trabalhou na Secretaria de Política Econômica, na ocasião chefiada por José Roberto Mendonça de Barros.
Foi um privilégio para o promissor técnico do Ipea estar, na hora certa, no centro de comando da economia brasileira. Aquela era a primeira equipe econômica pós-lançamento, em julho de 1994, do real. O ministro era Pedro Malan, e o presidente do Banco Central, Pérsio Arida. Apesar do sucesso inicial do plano, quando a inflação caiu de 47,43% em junho daquele ano para 6,84% em julho e 1,71% em dezembro, a turma levou um susto logo após a vitória, em primeiro turno, do candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB), pai do Real, na corrida presidencial.
Em novembro, o México, sempre o primeiro a mostrar as falhas do receituário usado pelos países latino-americanos a jusante, enfrentou crise cambial e quebrou. Naquele momento, a maioria dos países em desenvolvimento adotou âncoras cambiais (regimes de câmbio fixo) para estabilizar os preços. Como a inflação americana, em dólar, já era muito baixa, as economias atrelavam a taxa de câmbio à moeda dos Estados Unidos. Na Europa, a referência era o marco alemão, que, depois, veio a se tornar o euro.
O câmbio fixo, de fato, nocauteia a inflação. Mas, com o tempo, se nada é feito para aumentar a produtividade e se as contas públicas não se equilibram, o regime se torna frágil como as teses dos terraplanistas. O incremento da produtividade ajuda a produzir mais com menos, o que, por sua vez, contém os custos (a inflação).
Para que a produtividade cresça, é necessário educar a população e treinar bem a mão de obra; ter um sistema tributário simplificado, menos oneroso para as empresas e que não avance tanto sobre a atividade econômica, pelo menos não enquanto o país ainda estiver se desenvolvendo; produzir tecnologia de ponta e facilitar a entrada em nosso mercado de bens de capital modernos, entre outros esforços.
Países como Brasil, México e Argentina têm, por várias razões, produtividade bem inferior à dos EUA e da Alemanha, por exemplo, em quase todos os setores - no agronegócio e em alguns segmentos da siderurgia, a produtividade brasileira supera a americana, mas são exceções à regra. Logo, manter a taxa de câmbio em linha com a flutuação do dólar não é algo sustentável por muito tempo.
No fundo, a âncora das âncoras é de natureza fiscal porque, se o governo gasta muito mais do que arrecada, diminui a poupança disponível para financiar o investimento privado e em algum momento eleva a carga tributária para pagar as contas. Essa pressão sobre a sociedade acaba por gerar baixo crescimento do PIB e inflação.
Para conter a alta dos preços, os bancos centrais aumentam os juros e, num regime de câmbio fixo, isso atrai fluxos de dólares, movimento que, por seu turno, aprecia a taxa de câmbio, isto é, valoriza a moeda nacional em relação ao dólar. Ora, isso diminui a competitividade da economia, uma vez que fica mais caro exportar e, assim, alcançar novos mercados. Por outro lado, o dólar mais fraco estimula as importações, que têm dois efeitos: ao baratear o produto importado, faz as empresas nacionais comprarem máquinas e equipamentos mais modernos, o que na prática lhes dá um ganho de capital; por outro lado, a exposição do mercado doméstico a produtos estrangeiros bem mais baratos, sem que as empresas tenham as mesmas condições de competir, desnacionaliza setores inteiros, tornando o país muito dependente de fornecedores internacionais.
Mantido esse esquema por muito tempo em economias que não conseguem realizar reformas que façam crescer a produtividade, o país começa a acumular déficits crescentes nas contas externas, o que leva o investidor estrangeiro a duvidar da capacidade daquela nação de honrar suas dívidas com o exterior. Nesse momento, os mais acautelados começam a bater em retirada, forçando o governo local a jogar os juros na lua com o objetivo de convencer os investidores a manterem seus dólares aqui.
Como a situação vai se tornando insustentável em vários flancos, embora todos relacionados ao problema da Viúva, isto é, ao déficit público, "hedge funds" (fundos que buscam retornos altíssimos para o capital investido) veem nessa enorme fragilidade a oportunidade de fazer bons lucros. Estes resultam de ataques especulativos às moedas, que, se bem-sucedidos, provocam crises cambiais num curto espaço de tempo.
Quando estudamos as crises passadas, tendemos a achar que elas são de natureza cambial porque este é o sinal visível da turbulência. Com as maxidesvalorizações da moeda, todos ficamos mais pobres da noite para o dia - não só mais pobre em relação a outros países, mas, sim, aqui mesmo, em Cabrália. A gênese de toda crise, porém, está no Tesouro, cujo chefe em Brasília, Mansueto Almeida, avisara no domingo que está de malas prontas. Um mau sinal porque, se ele só deixaria o cargo em caso de falta de apoio do chefe, não se tenha dúvida: esta é a razão da partida de Mansueto, um dos maiores especialistas do país em finanças públicas.
O México assombrou a equipe do Real porque nosso plano caminhava para ancorar-se no dólar por meio de um regime de câmbio fixo. O curioso é que, nos primeiros seis meses do plano, o câmbio flutuou. Como o Banco Central dispunha de um volume razoável de reservas cambiais para conter ataques especulativos e havia excesso de liquidez nos mercados globais, a flutuação se deu para baixo, criando a falsa sensação de que a nossa moeda era mais forte que o dólar. Mas, em março de 1995, no início do primeiro mandato, adotou-se o câmbio fixo.
O México caiu em 1994 e, em 1997, feito dominó, sucumbiram várias economias asiáticas, os antigos "tigres". Depois, vieram Rússia, Brasil e Argentina. A história continua...
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