BLOG DO NOBLAT - O GLOBO - 18/10
Luiz Inácio Lula da Silva é um “feiticeiro” de plantão. O epíteto se deve à capacidade que ele tem de produzir e vender “feitiço” às massas. Mas não são poucos os que questionam: “ele não tem mais esse poder de vender gato por lebre; os escândalos que sujam a imagem do PT quebram sua força, esvaziando o estoque de carisma com que engabela as massas”. Verdade? Analisemos. O ex-partido da moral e dos bons costumes – o Partido dos Trabalhadores – é o mais identificado com a lama que escorre dos porões da política. A sigla perdeu a aura que possuía por ocasião de sua criação. Nem por isso se pode menosprezar o papel de Lula, jogando-o no baú de quinquilharias. O palanqueiro, com seu timbre rouco de voz, continua a disparar tiros a torto e a direito, principalmente em direção às elites, à imprensa e a oposicionistas que querem destronar sua pupila, a mandatária que teve 54 milhões de votos.
O ex-presidente volta à linha de frente no esforço de resgatar a imagem positiva de Dilma. Vê que têm sido inócuos os esforços de A, B e C, integrantes do exército ministerial, ou D, E e F, guerreiros do PT e de outros partidos da base, para reconstruir a identidade de uma governante que, no início do primeiro mandato, exibia como trunfo os atributos de excelência técnica, eficiente gestora e um perfil de alto nível. Os tempos mudaram. Hoje, Dilma enrola-se nos farrapos de uma administração que parece sem rumo. E sem recursos. Envolvê-la em tecido limpo passa a ser tarefa primordial para Lula. E o que aparentemente ele decidiu fazer? A saída das feras acuadas: atacar, furar o cerco imposto por inimigos. Luiz Inácio volta ao palanque com a visível intenção de construir um abrigo de cor vermelha. E não teme confessar: pedaladas fiscais foram feitas para pagar o Bolsa Família. Fica implícita a estratégia: puxar as massas para o lado de Dilma, comover a galera das margens. Só o conforto do povão poderia tirar Dilma do inferno.
Ao fazer a ligação entre Dilma, o bolso e a barriga das margens carentes, Luiz Inácio deverá se valer do batido refrão: “nós contra eles”, as elites endinheiradas e poderosas. Terá condição de se transformar novamente em paladino da causa social? Ganhará de novo os louros de Pai da Pátria, Salvador dos Carentes e Oprimidos? Dilma entra na onda e segue a cartilha. Nunca antes neste país, ressaltou em peroração no Concacut, um governo como o de Lula e o dela fez tanto para combater a corrupção. (Do outro lado do palanque, espraia-se a lama do maior escândalo de corrupção da história política, que deixou vazar pelo propinoduto cerca de R$ 20 bilhões). “Atacar para não morrer”. Sob esse lema, a presidente Dilma denuncia a trama arquitetada pelos inimigos da Pátria, um golpe para apeá-la do poder. É o que ouviremos nos próximos tempos.
Não será fácil sair-se bem sob essa engenharia vocabular. Como é sabido, a presidente é o alvo de um intenso tiroteio social, não apenas midiático (como dizem Lula e outros petistas), bastando ver os míseros 8% da aprovação popular que detém. O discurso de defesa será confrontado com a realidade. A política, como exercício de sedução, será testada. Para cooptar as massas, os atores políticos, principalmente os carismáticos, costumam vestir o manto dos heróis. Lula, por exemplo. O que procura oferecer? Esperança. Ora, mas a esperança que ele vendeu no passado foi consumida pela dura realidade desses tempos de economia em recessão. Falta grana no bolso para encher a geladeira, pagar o carro, as prestações do fogão novo. O instinto de sobrevivência e o instinto nutritivo, da lição de Pavlov, estão ameaçados. Lula, mesmo querendo parecer um “deus de plantão”, poderá cair das nuvens. Subterfúgios, adjetivos, acusações fortes e promessas de um mundo melhor já não terão o efeito que causavam há 10, 15 anos.
É possível que ainda vejamos pessoas de boa vontade, carentes e dóceis, cheias de ternura e afeto, trabalhadoras, aplaudindo o paladino do “nunca na história desse país”. Afinal, o apelo de quem saiu das margens para o topo da pirâmide será sempre ouvido por uns e outros. A mistificação faz parte do jogo político. Não sem razão, Saint-Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, expressando sua desilusão com a política, dizia: “todas as artes produziram maravilhas, exceto a arte da política que só tem produzido monstros”. Exageros à parte, urge reconhecer a existência de quadros decentes. O fato é que há políticos conhecidos pela capacidade de se esconder sob as lágrimas do crocodilo, esse animal que chora para atrair a presa e devorá-la.
E mais: Lula deverá manter a estridência do discurso. E haja repetição. A linguagem da política ensina que a mentira repetida seguidas vezes tem o dom de fazer com que os ouvintes a tomem como verdadeira. E o próprio orador, de tanto mentir para os outros, passa, ele próprio, a acreditar no que diz. Esse mecanismo foi utilizado por Hitler e estudado por muitos cientistas. A cartilha do engodo abrigará orientações como esta: tergiversar; contar os fatos pela metade; omitir situações; acrescentar dados; ridicularizar adversários para encobrir sua montanha de defeitos; buscar de todas as formas abrir espaços de simpatia social, e até transformar o errado na coisa certa.
Fingimento, despistamento, simulação, dissimulação – eis os substantivos do discurso político nos próximos meses. A esperteza, o vale-tudo, a dramatização, os recursos artificiais, a hipocrisia e a insinceridade compõem a base da cultura política na sociedade pós-industrial. No Brasil, essa moldura é ainda mais tosca em decorrência das mazelas que solapam nossa democracia.
Afinal, Lula terá sucesso? Nem ele mesmo acredita. Seu feitiço deverá atrair grupos pequenos, profissionais de mobilizações vestidos de vermelho. Mais provável é que a armadilha do discurso demagógico não entre na cachola cada vez mais apurada dos brasileiros. Incluindo as margens.
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