domingo, outubro 18, 2015

Cunha sequestrou o governo e a oposição - ELIO GASPARI

O GLOBO - 18/10

O Planalto acha que precisa de Eduardo Cunha para segurar o impeachment e a oposição acha que precisa dele para consegui-lo. Já o doutor acha que o Planalto e meia dúzia de notáveis de Brasília podem livrá-lo dos efeitos da Lava Jato. É engano.

De acordo com a documentação bancária conhecida, desde o dia 23 de abril de 2014 Eduardo Cunha sabe que a Lava Jato chegaria a ele. Foi quando fechou sua conta Orion no banco suíço Julius Baer, onde ficavam os cofrinhos de Renato Duque, Jorge Zelada e Paulo Roberto Costa.

A Lava Jato tinha um mês de existência e já haviam sido presos Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa. No dia 20 de maio, no mesmo banco, Cunha fechou a conta Triumph, aberta em 2007. Nenhuma delas era facilmente identificável a partir de seu nome. Tanto era assim que deixou outras duas em atividade.

Em 2011 a Orion recebera um depósito de 1,3 milhão de francos suíços saídos de uma conta Acona, do BSI. Ela pertencia ao engenheiro João Augusto Henriques, um ex-diretor da BR Distribuidora que quase chegara a diretor internacional da Petrobras, mas indicara o doutor Zelada para o lugar.

Em novembro do ano passado a conta Acona foi bloqueada a pedido do governo brasileiro. Nessa época poucas pessoas falavam de Henriques. O governo, a Petrobras e Cunha preferiram esquecer o que ele dissera ao repórter Diego Escosteguy em 2013: "Do que eu ganhasse (nos contratos intermediados com a Petrobras), eu tinha de dar para o partido (PMDB). Era o combinado, um percentual que depende do negócio".

A notícia do bloqueio da conta de Henriques no BSI chegou a Cunha, que se inquietou. Descobriu que a iniciativa partira de autoridades brasileiras. Calado, o Ministério Público estava atrás do poderoso Henriques.

Cunha foi eleito presidente da Câmara em fevereiro, entrou atirando e anunciou que convocaria os 39 ministros da doutora Dilma para sabatinas. Onze dias depois, colocou em votação e viu aprovada a imposição do orçamento impositivo. Surgira a expressão "pauta-bomba".

Em março o doutor entrou na lista do Janot e passou a ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal. Uma semana depois, outra bomba: a Câmara aprovou uma mudança no cálculo do salário mínimo.

No dia 17 de abril o banco Julius Baer fechou as duas outras contas ativas (Netherton e Kopek), que Cunha talvez tenha suposto serem inalcançáveis. Bomba de novo: menos de um mês depois a Câmara aprovou mudanças no cálculo do fator previdenciário.

Em agosto o juiz Sérgio Moro aceitou uma denúncia do Ministério Público contra Henriques. Bomba: a Câmara aprovou a proposta de emenda constitucional que vincula os salários de advogados públicos e policiais aos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Em setembro, como era de se prever, Henriques foi preso. Desde o bloqueio da conta Acona isso era pedra cantada.

Todas as bombas aprovadas pela Câmara, bem como aquelas que estão guardadas no paiol podem ser defendidas em discussões pontuais. O problema é que, no conjunto, simplesmente destroem as finanças do país. Custam R$ 284 bilhões ao longo dos próximos anos.

O governo e a oposição acham que podem fazer acordos com Eduardo Cunha. Deixando-se de lado o fato que um acerto serviria para derrubar a doutora Dilma e o outro para preservá-la, o que há de mais intrigante nessas operações é que nem Cunha, nem a oposição e muito menos o Planalto, controlam o Ministério Público e a Lava Jato. Se controlassem, ela já teria acabado há muitos meses.

Trata-se de um caso de contaminação voluntária de reputações, algumas até boas.

Uma alma danada vem chamando o presidente da Câmara de "Al Pacino". Fica a dúvida do que isso significa. Na vida real ele é um grande profissional, com um Oscar no papel de Serpico, um corajoso policial honesto. Esteve também em filmes como "Um Dia de Cão" (baseado numa história verdadeira) e "O Poderoso Chefão".


VAZAMENTOS

Eduardo Cunha tinha toda razão quando se queixava de que seu nome vazava seletivamente nas denúncias de malfeitos.

A entrada na roda de Renan Calheiros e Delcídio Amaral mostra que havia macumba na encruzilhada.

MALUQUICE

A ideia é maluca, mas tratando-se do comissariado, tudo é possível.

O Planalto estaria interessado em vincular juridicamente à Advocacia Geral da União as agências reguladoras de telefonia, energia e saúde.

Tradução: se a AGU der um refresco aos concessionários, as agências, que nasceram para ser autônomas, devem baixar a cabeça e acompanhar o corneteiro.


SETE BRASIL

A Sete Brasil esclarece: suas negociações com a Petrobras para a construção de 14 sondas de perfuração não incluem a discussão de multas para casos de atraso na entrega dos equipamentos.

O que as duas empresas ainda negociam são as penalidades decorrentes de eventuais descumprimentos das cláusulas que determinam o conteúdo nacional na construção das sondas.


REFRESCO

Depois de ralarem mais de um ano apanhando do Ministério Público na Lava Jato, alguns escritórios de advocacia acreditam que abriu-se uma pequena brecha para futuros litígios nos tribunais superiores.

Na variação ocorrida nos depoimentos do lobista Julio Camargo que, de início, não falou em Eduardo Cunha, teriam entrado mais argumentos do que simples ameaças ou temores.

Se ficar comprovado que houve troca-trocas nesses tipos de depoimentos, mesmo que não se abale a estrutura jurídica das denúncias, tisna-se a moralidade das confissões.


FALAR MAL DO SUS É UM VÍCIO IRRACIONAL

Há dois anos, o Conselho Federal de Medicina divulga uma pesquisa que mostra a avaliação da saúde pública e privada pelos brasileiros. O resultado de 2015 foi óbvio: para 60% dos entrevistados ela é ruim, e para 54% o Sistema Único de Saúde não presta.

Veio embutida nessa pesquisa uma informação menos óbvia e mais relevante.

Quem recorre ao SUS (o andar de baixo) é mais benevolente com seus serviços do que aqueles que não o usam. Treze por cento desses usuários acham-no bom ou excelente e 53%, péssimo ou ruim. Quem não usa o SUS e paga plano privado tende a vê-lo com maus olhos, pois do contrário admitiria que está fazendo mau negócio. Só 8% avaliam-no como bom e 60% como ruim.

Metade dos entrevistados que pagam planos usaram o SUS para consultas e exames e 20% internaram-se na sua rede. Entre os que fizeram cirurgias no SUS (16%), metade achou o serviço bom ou excelente. Não é um número que mereça ser festejado, mas sugere que o SUS vai melhor do que se pensa. Seus gargalos estão nas esperas e na gestão.

Em novembro o Conselho divulgará outra rodada da pesquisa, fechando o foco nos planos privados.

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