O GLOBO - 01/08
Quando o Fundo Monetário Internacional escreveu em relatório que o Brasil está "moderadamente vulnerável", nada disse que já não soubéssemos. Nos últimos dois dias, Tesouro e Banco Central confirmaram um desses pontos fracos, o fiscal: o governo central teve o menor superávit primário em 14 anos para o primeiro semestre e déficit primário em maio e junho. O setor público está com 3,6% de déficit nominal.
Números negativos têm sido divulgados diariamente - hoje sairá a produção industrial de junho, que deve mostrar queda. O governo briga com quem alerta sobre os riscos, em vez de combater os pontos fracos. O déficit em transações correntes cresceu nos últimos anos, a dependência do saldo comercial ao preço das commodities aumentou, o investimento no Brasil caiu, a poupança interna é insuficiente e os recursos externos para nós devem ficar mais escassos.
O Brasil tem reservas cambiais num volume tranquilizador para travessias de períodos de instabilidade, mas isso não desmente o diagnóstico de que temos fragilidades.
Um fato que preocupa é o artificialismo da taxa de câmbio. O Banco Central iniciou seu programa de intervenção no mercado em meados do ano passado, para se prevenir diante da retirada dos estímulos monetários americanos. Naquele momento, o Banco Central queria evitar altas exageradas da moeda americana e excesso de volatilidade. Hoje, virou uma arma auxiliar no combate à inflação. O FMI estima que isso levou a uma sobrevalorização do real em 15%.
Os alertas ganham mais importância na medida em que fica mais próximo o aumento de juros nos EUA, que vai encarecer os financiamentos e enxugar a quantidade de dólares circulando pelo mundo. O crescimento mais forte da economia americana no segundo trimestre, de 4% anualizado, não só recuperou a queda do primeiro tri, de -2,1%, como mostrou que o mau resultado no início do ano foi pontual. Mesmo com a retração, nos últimos 12 meses, a taxa de crescimento dos Estados Unidos foi de 2,4%.
Nos EUA, aumentaram o consumo das famílias, investimentos, exportação e importação. Houve, no entanto, formação de estoques, o que pode indicar uma produção menor nos próximos meses. O PIB cresceu, mesmo com o corte de gastos do governo federal, de 0,8%, que continua em processo de ajuste nas suas contas. O consumo do governo federal está em retração nos EUA há sete trimestres consecutivos e, ainda assim, a economia está crescendo. Eles tinham chegado a um nível insustentável de déficit e tinham mesmo que reduzir, mas nunca faltou financiamento barato para a dívida americana.
Esse cenário de crescimento maior dos EUA, que altera a direção do fluxo de capitais, afeta países com maior necessidade de financiamento. A expressão "vulnerável" não quer dizer que o país esteja à beira de uma crise, mas sim que tem fraquezas a serem superadas. E elas se acumularam exatamente porque o atual governo não fez reformas para remover os obstáculos ao crescimento sustentado, como lembrou a diretora-gerente do FMI. E novos desequilíbrios vêm sendo criados, como o grande desajuste financeiro em todo o setor de energia.
O Brasil está em um ponto de maturidade institucional e econômica para não ter melindres com alertas como os do FMI. Já sabemos que o Fundo acerta, erra, tem rotinas de avaliação, divulga estudos sobre questões econômicas internas. A ele nada devemos, é apenas um clube do qual o Brasil faz parte, e recentemente até aumentamos o volume de nossas cotas.
Os fluxos ficarão mais voláteis porque a economia americana atrairá mais capitais e sobrará menos recursos para financiar países emergentes com déficit em conta-corrente e baixa taxa de poupança. Seria esquisito se o FMI dissesse que esse problema é inexistente.
Há outros países na lista, cada um por um motivo e com um nível de risco. A Argentina, pelas razões conhecidas. A Rússia sofreu uma fuga de capitais quando anexou a Crimeia e está enfrentando sanções econômicas. Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia também foram relacionadas. Cada caso é um caso, o melhor a fazer é reduzir nossos pontos fracos para a mudança dos ventos na economia internacional.
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