FOLHA DE SP - 01/08
Governo argentino não admite solução que inclua pagar dívida na íntegra e 'vai para o pau'
HAVIA GENTE graúda interessada em ajudar a Argentina a evitar um novo calote. A "ajuda" era também interessada, claro. "Amigos da Argentina" se ofereceram para pagar a dívida com os "fundos abutres", evitando a inadimplência, em troca de receber a dívida na íntegra, ou quase, mais tarde.
Mas o kirchnerismo duro e, enfim, o Ministério da Economia não querem saber de acordo que resulte em pagamento da dívida que foi objeto de calote em 2001. Ou seja, a Argentina "vai para o pau", nos vários sentidos dessa expressão, desculpe-se, vulgar.
Vai continuar a disputa com seus credores que a levaram à Justiça e vai se sujeitar a ser oficialmente declarada caloteira, o que ainda não aconteceu de fato. Assim, continua a cair o dominó de eventos que pode levar os vizinhos a uma recessão um pouco pior do que a prevista para este ano.
Como se sabe, a Justiça de Nova York decidiu que a Argentina não pode pagar os juros da sua dívida renegociada sem que pague também aos "abutres". Como os vizinhos não têm como pagar aos "abutres", em tese estão "em default", inadimplentes.
Bancos e empresários argentinos, com a promessa de apoio (também em dinheiro) de bancos americanos, comprariam a dívida dos "abutres", com algum desconto, tornando-se credores, portanto, do governo argentino. A princípio, o governo argentino ficaria livre para pagar aos credores da dívida renegociada, caso não sobrevenha outro problema legal. Assim, não haveria calote. A crise argentina voltaria ao seu nível normal de horror.
Ressalte-se: os bancos "amigos da Argentina" estariam dando essa mãozinha porque ganhariam algum (comprariam a dívida com os "abutres" por um desconto e seriam pagos pelo governo argentino com um extra).
O problema é que, na renegociação da dívida, em 2005 e 2010, a Argentina arrancou um desconto nominal de 75% (isto é, deu um calote de 75%, na prática um tanto menos, em 92% dos credores). Mas o governo não admite tal hipótese: quer arrancar o mesmo desconto de 75%, pelo menos o diz de público (diplomatas e banqueiros argentinos no Brasil dizem que poderia haver negociação, porém).
Aventou-se a possibilidade de o fundo garantidor de créditos bancários da Argentina cobrir o pagamento (o Sedesa, entidade privada sob comando prático estatal, que pode cobrir rombos bancários), solução descartada devido a vários riscos legais.
Agora, o governo argentino pode ser declarado de fato em "default" (calote) pelo banco encarregado de pagar aos credores da dívida renegociada. Se tal coisa ocorrer, os vizinhos vão à Justiça dos EUA (dizem que depositaram os pagamentos devidos, congelados por decisão da Justiça de Nova York. Logo, não deram calote). Caso entre "em default", certos credores da dívida renegociada podem requerer o pagamento antecipado do principal devido.
O caldo continuaria a entornar. Ao menos até o fim do ano, quando vencem cláusulas do contrato com os credores da dívida renegociada, o que vai permitir mais flexibilidade na negociação com os "abutres". Em tese. Se o governo argentino não radicalizar, o que não é improvável, dado o presente tumulto.
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