quarta-feira, julho 23, 2014

Os gatos da política energética - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 23/07


O governo transformou a política energética num poste cheio de gatos - uma confusão de fios ligados de forma clandestina e improvisada - e a cada dia tem maior dificuldade para desfazer as trapalhadas. Os problemas para montar um novo financiamento às distribuidoras de energia formam o mais novo capítulo dessa história. A baderna começou há mais de um ano, com a mistura amadorística de questões muito diferentes: a renovação de concessões a empresas de eletricidade e o desafio político de uma inflação muito alta. A presidente Dilma Rousseff conseguiu impor a renovação antecipada a várias companhias e, ao mesmo tempo, determinou a contenção de tarifas. Esse foi o primeiro grande gato, a ligação clandestina entre o combate à inflação e a administração do setor elétrico.

Clandestina é uma boa qualificação. Em primeiro lugar, porque a decisão presidencial misturou a gestão de um setor de infraestrutura com um problema típico de ajuste monetário e, no caso brasileiro, também fiscal. Em segundo, porque o controle de tarifas permitiria, na melhor hipótese, administrar os índices de preços, sem de fato mexer nas pressões inflacionárias. O gato, nesse caso, ainda foi feito de forma incompetente e ineficaz.

O efeito sobre a inflação é conhecido e indisfarçável. Os preços continuaram a subir muito mais que em países governados com alguma seriedade, porque nenhuma fonte de pressão foi de fato atacada. As empresas voltaram a elevar as tarifas neste ano, realimentando os índices de preços. Com o atraso, no entanto, acumularam-se os problemas de caixa das distribuidoras e o governo foi forçado a novamente cuidar do assunto.

As dificuldades do setor ultrapassaram, de novo, a capacidade de socorro do Tesouro Nacional. Foi preciso montar - com garantia do governo - um esquema de financiamento urgente para socorrer as empresas. Um consórcio de bancos mobilizou R$ 11,2 bilhões para o setor. Esse dinheiro já foi consumido e o governo, com auxílio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), teve de buscar novas soluções.

Os estragos estão em toda parte. É preciso cuidar das distribuidoras, sufocadas pela contenção demagógica e inepta das tarifas. É necessário socorrer a Eletrobrás, atolada em problemas cada vez mais sérios desde a renovação das concessões, realizada de forma voluntarista e sem consideração das condições de amortização e retorno de investimentos anteriores.

A ajuda à Eletrobrás, anunciada formalmente pela empresa na segunda-feira, envolverá um financiamento de R$ 6,5 bilhões - R$ 2,5 bilhões da Caixa e R$ 4 bilhões do Banco do Brasil (BB). O governo pretendia envolver bancos privados na operação, mas nenhum se dispôs a participar. Os dois bancos oficiais ficaram com todo o encargo e cobraram juros altos - 119,5 % do CDI - para fornecer o dinheiro.

Bancos privados foram sondados também para participar de um novo financiamento às distribuidoras, ao lado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A maior parte dos consultados já havia contribuído para o empréstimo de R$ 11,2 bilhões concedido à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para repasse às distribuidoras. Nos primeiros contatos para a montagem da nova operação, os bancos cobraram maiores garantias.

O primeiro grande gato, o da renovação de concessões misturada com intervenção nas tarifas, acabou resultando em problemas para geradoras, distribuidoras e para o próprio governo, por causa dos encargos maiores impostos ao Tesouro. De gato em gato, a confusão aumentou e hoje o governo mal consegue achar as pontas de cada fio. No primeiro semestre o Executivo atrasou o repasse de R$ 3,4 bilhões devidos ao setor elétrico. Foi mais um truque para reforçar temporariamente as contas públicas e disfarçar as dificuldades orçamentárias. Ao mesmo tempo, aumentavam os problemas das empresas de eletricidade e o governo era forçado a planejar novas operações de socorro. Não serão desfeitos em pouco tempo os gatos da política energética. O maior perigo, agora, é o governo apelar para mais improvisações.

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