O GLOBO - 14/07
Sem o devido equacionamento financeiro, o problema cai hoje no colo das empresas que atuam nesse setor
Nas concessões de transportes, as empresas se debatem hoje com a postura oportunista do governo, que tenta reduzir a rentabilidade original dos projetos à medida que avança a implementação dos badalados contratos que foram assinados recentemente. Aproveita, assim, a redução gradativa do poder de barganha dos concessionários que ocorre ao longo de sua execução (veja artigo na primeira página de www.raulvelloso.com.br).
Há evidências de comportamento semelhante no setor elétrico, especialmente no ramo da distribuição, onde os investimentos pós-leilão são inadiáveis, mas difíceis de prever no início do processo. A fim de agradar aos eleitores no curto prazo, o governo aproveita o alto custo que o empreendedor privado teria de assumir para desistir da concessão, e impõe a redução das taxas de desconto nos cálculos de reequilíbrio dos contratos. É o mesmo que impedir que as tarifas aumentem para fazer face a gastos adicionais com investimentos ou outras despesas não previstas originalmente, como novos impostos, por exemplo. Esse tipo de comportamento é danoso à evolução futura da combalida infraestrutura brasileira, pois aumenta o risco regulatório e induz o capital privado a desistir da atividade ou a exigir maiores tarifas no futuro a fim de compensar o aumento de risco.
No setor de energia elétrica, a grande bomba que paira no ar é o custo do acionamento continuado, desde 18/10/12, das caríssimas termelétricas de reserva, cerca de 12,5% da carga total, que só vale a pena pagar quando ocorre em períodos curtos e eventuais. Segundo estimativa do Instituto Ilumina, até agora essa brincadeira custou cerca de R$ 50 bilhões (R$ 2,3 bilhões mensais), a incidir à frente e basicamente no bolso dos consumidores de energia, dado que o governo, grande responsável pelo problema, não fará nada impopular antes das eleições e o orçamento não tem fundos. O cálculo considerou um custo médio, talvez subestimado, de R$ 420/MWh. Se o problema persistir por mais 12 meses, a conta aumentará para R$ 78 bilhões!
Sem o devido equacionamento financeiro, o problema cai hoje no colo das empresas que atuam nesse setor. Enquanto isso, em entrevista à “Conjuntura Econômica”, o secretário do Tesouro disse que vai assumir apenas uma parcela de R$ 4 bilhões dessa conta, e uma associação privada que atua na área já intermediou um empréstimo bancário de R$ 11,8 bilhões, discutindo-se hoje um aditivo de R$ 3 a 4 bilhões.
Quanto às causas, a desculpa oficial é a seca, especialmente na região Sudeste/Centro-Oeste, mas muito disso se deve à prática de preços artificialmente baixos e à consequente evolução desfavorável da oferta de energia elétrica no país, em grande medida pelas políticas de cunho populista que têm prevalecido na fixação de tarifas públicas, desde o primeiro governo do PT. Para piorar, após o acionamento das usinas de reserva, vieram a polêmica Medida Provisória 579 e a redução de 20% nas tarifas ao consumidor que ela pretendeu viabilizar.
O problema, contudo, não se manifesta apenas no custo brutal acima indicado. Em que pese o acionamento de todas as térmicas de reserva, além de caras elas se mostram insuficientes. Tanto assim que as da região Sudeste/Centro-Oeste, que respondem por 70% da capacidade total de armazenamento, estavam com apenas 36,3% de sua capacidade no fim de junho. A continuar nesse ritmo, os percentuais estarão bem mais baixos no reinício das chuvas, de forma que, sem contenção do consumo, as térmicas que custam “ouro” terão de permanecer acionadas enquanto os níveis dos reservatórios não voltarem à normalidade, em data difícil de prever. A título de comparação, esses mesmos reservatórios tinham 28,5% no fim de junho de 2001, ano em que o governo da época decidiu economizar energia por meios não convencionais, e em que havia umas poucas termelétricas de backup no País. Esses números dão uma dimensão do aperto em que nos encontramos, apesar das declarações tranquilizadoras das autoridades, assegurando que não haverá racionamento. Em resumo, há uma conta gigantesca para ser paga, ainda sem fechamento, e, mesmo assim, um alto risco de se ter de adotar uma solução heterodoxa, complexa e indesejável, de redução forçada do consumo.
Indo mais fundo, percebe-se uma combinação de graves erros de planejamento. Dadas as atuais termelétricas de reserva, há grande carência de novos projetos de hidrelétricas com reservatórios, que são as menos custosas. Nessa área, pressionado pelo lobby ambientalista, o governo simplesmente desistiu de construir esse tipo de usina, agravando a carência de energia mais barata. Do outro lado, na hipótese de uma expansão mais limitada de hidrelétricas, é preciso combiná-las com um maior contingente de termelétricas de reserva, mas estas precisam ser bem mais baratas que as atuais. Nesse contexto, falta esclarecer por que não decolaram as termelétricas a gás, nem aquelas cujo combustível é o bagaço de cana, tão abundante num país que tem a expressiva produção de açúcar e álcool que nós temos.
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