A grande expectativa de conquista da Copa do Mundo e o seu fiasco, assim como outro campeonato, o das pesquisas de intenção de voto, terminaram por ofuscar outros problemas que continuam atormentando a sociedade brasileira. A liberdade de escolha, um dos pilares de Estados democráticos, continua, cada vez mais, submetida à tutela estatal. Os cidadãos são tratados como se fossem menores de idade, incapazes de decidirem o que é melhor para si.
Claro que tudo isto não é feito em nome do autoritarismo, mas, supostamente, em nome do bem da cada um, como se fosse missão do Estado exercer uma espécie de monopólio da virtude. Contudo, a associação entre o anticapitalismo e o autoritarismo do bem (pró-saúde, geralmente) não é nada saudável.
Em São Paulo, a marcha autoritária avançou ainda mais na limitação das liberdades, visando a diminuir a influência dos pais sobre seus filhos. A Câmara de Vereadores dessa cidade aprovou recentemente em segunda discussão o projeto de lei que proíbe a venda casada de alimentos, lanches e ovos de Páscoa acompanhados por brinquedos, pelas redes de fast-food, lanchonetes ou qualquer estabelecimento comercial.
O projeto aprovado ainda depende da sanção do prefeito Fernando Haddad. Até o momento, a prefeitura não indicou qual será o desfecho. Vale lembrar que o autor do projeto, Arselino Tatto, é petista e líder do governo na Câmara de Vereadores.
O vereador disse em entrevista que se baseou em uma reportagem de TV para propor a proibição. Segundo ele, “eles incentivam o consumo quando colocam brinquedos dentro dos alimentos. É um pouco para trazer esse debate à tona para que os pais tenham essa preocupação. Se transformar em lei, eles podem vender esses produtos, mas sem os brinquedos dentro porque isso não atrairia muito as crianças”.
Soa leviano propor (e aprovar) uma lei com base em um programa de televisão. Entretanto, para os defensores da tutela, esta também poderia ser aplicada a eles. Talvez fosse prudente a população, como ato de defesa, propor uma lei para limitar as horas a que os parlamentares têm direito em frente aos televisores. Programas sem a supervisão de pessoas responsáveis podem incentivar a proliferação de leis descabidas.
Ademais, justificou o projeto apelando para a existência de “estudos”. Disse ele: “Mas há estudos que mostram que o consumo é incentivado quando brinquedos são colocados dentro de alimentos. Tem a ver com a obesidade e acaba sendo um alerta para os pais.”
Note-se que são sempre “estudos”, normalmente meras hipóteses de trabalho, que são considerados como se fossem “verdades”. Embora possam mesmo ser verdadeiros, não caberia, de modo algum, ao Estado tomar o lugar dos pais na educação de seus filhos. Ao Estado caberia, isto sim, informar os cidadãos sobre os malefícios de determinados produtos, deixando às pessoas a decisão de seguirem ou não essas orientações.
Trata-se, mais uma vez, da tentativa de restringir a liberdade de escolha das pessoas. O exemplo mais paradigmático diz respeito às restrições cada vez mais abusivas em relação ao fumo, seja com limitações à opção individual, seja em relação ao aumento de impostos favorecendo o contrabando. Processo semelhante está também em franca expansão no que concerne às bebidas alcoólicas.
Nada disto é muito novo, senão a arbitrariedade de cunho autoritário que o orienta. As justificativas para esse tipo de legislação apelam para um cidadão incapaz, isto é, um sujeito anódino que precisa ser tutelado. Uma sociedade que renuncia à liberdade perde o seu bem mais precioso: a liberdade de escolha.
O senso crítico ainda em formação nas crianças entra no debate como argumento de ocasião. Não é o senso crítico das crianças que está em disputa, mas o dos pais. São os pais que perdem a autonomia ante a benevolência estatal. São os pais que, segundo a ótica do legislador, não possuem senso crítico para decidir o que é melhor para seus filhos e nem são capazes de estimular em seus filhos o senso crítico. O significado é óbvio: os pais não possuem autonomia, autoridade ou capacidade para educar seus filhos.
Nesta toada, sempre haverá algum legislador ou governante que não queira, amanhã, proibir a propaganda de brinquedos ou diminuir o seu estímulo de compra como se isto fosse um malefício da sociedade capitalista. O politicamente correto pode ser aqui o seu instrumento.
Nessa toada, o certo seria proibir algumas personagens do mundo infantil bem como proibir alguns tipos de brinquedos. A Barbie, segundo inúmeros movimentos feministas, representa um ideal feminino exagerado que impõe às meninas um padrão de beleza inalcançável. Para o suposto universo infantil masculino, há armas e outros brinquedos que estimulam a agressividade. Os projetos de proibição são o que menos falta.
Afinal, se é permitido proibir um produto por seu suposto alto teor de sal ou de gordura, o que impede a proibição dos doces, que causam cáries? Nada. Pois o projeto de lei 5043/13, do deputado Alexandre Roso, do PSB do Rio Grande do Sul, proíbe a propaganda de refrigerantes e alimentos de baixo teor nutritivo nas escolas de ensinos fundamental e médio, sejam públicas ou privadas. Já o projeto 6.283, de 2013, do deputado federal Luiz Gonzaga Patriota, do PSB de Pernambuco, proíbe a venda de refrigerantes a menor de 18 anos e de alimentos com alto teor calórico e níveis reduzidos de nutrientes em estabelecimentos de ensino, e dá outras providências. Entre as outras providências está a proibição de venda desses alimentos em um raio de duzentos metros em torno das escolas. Por enquanto, evidentemente.
O tipo de lei relativo às crianças não difere das que limitam a liberdade de escolha dos adultos. O ímpeto é o mesmo. A suposta fragilidade das crianças é apenas o subterfúgio palatável do autoritarismo. O recado é claro: você não tem o direito de viver conforme suas convicções, você deve viver conforme o plano que o Estado desenha para você.
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