FOLHA DE SP - 22/07
Programas de governo do país não podem se limitar a listas de "propostas" de gestão de condomínio
UMA CRÍTICA comum a candidatos a presidente reclama que se explique de onde sairá o dinheiro para financiar os lindos programas eleitorais. Na crítica, está implícita a sugestão de que os candidatos deveriam apresentar "propostas realistas", isto é, que caibam num Orçamento. Essa ênfase em exigir "propostas" que possam ser discriminadas como em um livro de contabilidade transforma a conversa política num debate de condomínio ou da prefeitura de Bobajal do Norte.
Óbvio que o candidato dado a apresentar projetos que não cabem todos no Orçamento demonstra despreparo provinciano ou tendência ao estelionato político-administrativo. Mas a recíproca pode não ser muito razoável também: listar "propostas" e seus fundos não resolve um programa de presidente.
O governo exige não apenas ideias de como criar e arranjar recursos, mas também de como criar condições políticas e institucionais que permitam a solução de problemas.
Considere-se uma lista muito básica, embora fundamental, de problemas brasileiros. A violência bárbara (umas 100 mil pessoas mortas por ano devido a tiro, facada e acidente de trânsito). A escola ruim. A desigualdade. O baixo crescimento econômico.
Para um bom começo de conversa, esses assuntos não podem ser formulados em termos de dinheiro ou de projetos com nome de fantasia marqueteira, "Brasil Fofinho", "Mais Tudo", "ProTudoBrás" etc.
Alguns desses problemas fundamentais nem são de alçada direta ou exclusiva do Executivo federal (segurança, educação), mas devem ser objeto de um programa liderado politicamente pelo presidente.
O caso da violência demanda talvez reformas institucionais (organização das polícias), política de fronteiras, drogas, armas etc. Antes de arrumar o dinheiro para tais providências, quais são as reformas que criam condições de solução dos problemas?
Antes de reservar 10% do Orçamento, do PIB ou dos tesouros do céu para a educação, seria bom conversar sobre o que é preciso fazer para que as crianças aprendam o básico em qualquer canto do país, o que demanda discussões tidas como tediosas sobre Federação, currículos nacionais e qualidade de aulas e livros. Havendo ou não fundos bastantes, o que faremos com eles?
Desigualdade é um tema avassalador de complicado, imenso e caro. Mas nos limitamos a discutir programas de renda mínima, necessários, mas insuficientes, para dizer o mínimo.
Muita miséria brasileira está no fato de milhões viverem em um mundo marginal, sem qualificação, isolados geograficamente, sem infraestrutura e à margem de mercados e da Justiça, atolados em atividades improdutivas (serviços-bico, agricultura de subsistência, coletas). Não haverá dinheiro direto para resolver a situação horrível da vida dessas pessoas. Antes de investir, é preciso ter um diagnóstico prático do nosso sistema de exclusão.
Sobre política macroeconômica, nem é preciso dizer muito. É de graça fazer bobagem ou, pelo menos, um bom arroz com feijão (mas consequência pode ser muito cara). Mas também não há debate eleitoral de política econômica, menos ainda de reforma econômica: dos meios de arranjar dinheiro.
Enfim, do que estamos falando?
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