O GLOBO - 05/07
É de fato falho um sistema no qual uma sentença da Justiça de um estado nacional interfere na renegociação entre países e credores
A decisão da Justiça americana favorável a dois fundos especializados em títulos podres levou a Argentina à beira de uma nova moratória — também devido à reação da Casa Rosada. E abriu um perigoso precedente: se renegociações de dívida externa, multilaterais, podem ser revistas pela Justiça de um estado nacional, passa a haver enorme insegurança no mercado de dívidas soberanas. Daí a preocupação manifestada por Casa Branca, FMI, França, Brasil e outros diante da situação da Argentina.
Questões relativas a dívidas soberanas são tratadas em tribunais de Nova York e/ou Londres, a depender de entendimento prévio. O caso argentino leva especialistas a defender a criação de um mecanismo internacional para questões de reestruturação da dívida, algo também defendido por Buenos Aires. É um caminho que merece atenção.
O problema da Argentina se agrava com o comportamento do governo kirchnerista. Em reunião sobre o assunto na OEA, tanto o chanceler Timerman quanto o ministro da Economia Kicillof insistiram que o país só negociará com os fundos nas mesmas condições das reestruturações da dívida de 2005 e 2010, que tiveram a adesão de 92,4% dos credores. Ora, isso significa não querer negociação, e sem estar numa posição de força.
As agruras de agora ainda são reflexo da moratória de 2001, quando o país afundou numa das crises mais sérias de sua história, com hiperinflação e cinco presidentes em uma semana. Quando alguém finalmente conseguiu se firmar no poder, era Néstor Kirchner. E logo se conheceu seu estilo arrogante e populista. Ele ditou as regras da renegociação, com um deságio de 70% do valor dos papéis. Pressionados, 92,4% dos credores aceitaram. Alguns fundos compraram títulos argentinos dos credores, com enorme deságio, ficaram de fora do acordo, e entraram na Justiça americana reclamando seus direitos. É do jogo, e Buenos Aires perdeu. Ao governo Cristina Kircher só resta a alternativa de negociar imediata e intensivamente com fundos, credores, com o juiz americano e com o mediador nomeado por ele.
Mas, ao contrário, o que se vê é o governo argentino, de pedigree chavista, politizando o problema. Envia emissários à ONU e à OEA para discursos exaltados e estimula passeatas de protesto em Buenos Aires. Na OEA, foi aprovada declaração de apoio aos esforços argentinos, apresentada por Brasil e Uruguai. Os EUA, porém, fizeram a ressalva de que não a apoiariam, pois a questão está no Judiciário, o poder é independente.
O Brasil, que agiu de forma diferente da Argentina, negociando em todas as instâncias com sucesso, deveria assessorar melhor o vizinho. Deve-se mesmo construir uma fórmula para que, no futuro, países endividados não venham a ser encurralados por uma minoria de credores nos tribunais de um país. Mas, antes, é preciso apoiar as negociações sérias, e não pajelanças de cunho ideológico. As tentativas de se promover um levante contra a comunidade financeira internacional só levam a Argentina, mais e mais, ao isolamento.
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