O GLOBO - 16/05
Há um traço comum entre os cinco, para além de todas as diferenças
Estou no Rio de Janeiro para uma reunião de negociação do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) sobre a constituição de um arranjo contingente de reservas (CRA — Contingent Reserve Arrangement), uma espécie de embrião de um Fundo Monetário dos cinco países. A negociação deste arranjo vem correndo há quase dois anos e estamos na reta final. Houve progresso nos últimos três dias de negociação. Os ares do Rio de Janeiro nos ajudaram.
O CRA terá um valor inicial de US$ 100 bilhões, com a China entrando com US$ 41 bilhões; Brasil, Rússia e Índia, com US$ 18 bilhões cada; e a África do Sul, com US$ 5 bilhões. Trata-se de um pool virtual de reservas em que os cinco participantes se comprometem a proporcionar apoio mútuo em caso de pressões de balanço de pagamentos de curto prazo.
Tudo indica que tanto o CRA como o Banco de Desenvolvimento do Brics, cuja negociação está acontecendo em paralelo, estarão prontos para assinatura na Cúpula dos Líderes do Brics, em Fortaleza, em julho.
Se isso acontecer, será uma vitória importante, pois, pela primeira vez, o Brics estará criando mecanismos operacionais conjuntos — um fundo e um banco. Fortaleza estaria assim para o Brics como Bretton Woods para o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Qual o significado disso? Se tivesse que escolher uma frase, diria que é um passo significativo na direção de um mundo mais multipolar. Há um traço comum entre os cinco, para além de todas as diferenças econômicas, políticas e históricas: são países de economia emergente, de grande porte econômico, territorial e populacional, que têm condições de atuar com autonomia. Esse não é o caso da grande maioria dos demais países emergentes ou em desenvolvimento.
Outro traço de união: o Brics não está conformado com a atual governança internacional, que reflete basicamente a estrutura de poder que emergiu depois da Segunda Guerra Mundial, e que consagra representação e papel exagerados para as potências tradicionais: os EUA e a União Europeia. Refiro-me ao FMI, ao Banco Mundial, a alguns bancos regionais e às Nações Unidas. O mundo está mudando rapidamente. É crescente o peso dos países emergentes e em desenvolvimento, mas as organizações internacionais continuam a refletir uma realidade política e econômica do século XX.
O que eu sempre digo, entretanto, aos meus colegas do Brics é que cabe a nós, na prática do dia a dia no nosso trabalho no FMI, no G20 e em outros fóruns, mostrar aos demais países, particularmente aos outros países em desenvolvimento, por que razão nós, Brics, queremos mais influência e poder decisório. Qual é a nossa mensagem? Que diferença faz para os países menores, mais frágeis ou de menor renda, que poder decisório seja transferido das potências tradicionais para o Brics? Se não o fizermos, toda a nossa atuação conjunta será vista pelos demais como mera disputa de poder.
Mas isso é tema para outro artigo.
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