O GLOBO - 24/04
Como os EUA foram o berço das ‘ações afirmativas’, a revogação do critério da cor da pele na matrícula em faculdades públicas americanas deveria levar Brasília à reflexão
Chega a ser curioso que não muito tempo depois de o Supremo Tribunal Federal brasileiro carimbar a cota racial para efeito de ingresso nas universidades públicas, a Suprema Corte dos Estados Unidos, berço deste tipo de ação afirmativa, decida, por maioria de votos, que a revogação deste critério discricionário na seleção de alunos, criado supostamente para combater desigualdades, não é inconstitucional.
É relevante a decisão porque os Estados Unidos, ao contrário do Brasil, construíram uma sociedade com base na ideia de “raças", conceito cientificamente errado, além de política e socialmente deplorável. Mas mesmo lá, como se vê, não se trata de assunto pacífico.
O debate sobre cotas se reaviva a partir desta decisão, anunciada terça-feira, tomada sobre processo movido contra plebiscito realizado no estado de Michigan, no qual a revogação de cotas raciais e de gênero, para efeito de admissão em faculdades estaduais, foi aprovada por 58% dos eleitores. O objeto da consulta era a emenda à Constituição estadual que revoga as cotas na avaliação dos estudantes.
A redução do apoio a cotas não é de hoje. Vários estados já as proíbem — como Califórnia, Washington, Texas, Flórida. A decisão desta semana abre caminho a que outros estados sigam o mesmo caminho. Entre eles, Ohio, Missouri e Utah. A Suprema Corte também já havia vetado o uso de cotas em valores percentuais, mantendo apenas a aplicação do conceito na avaliação dos estudantes.
Não se trata de acabar com a política em si de ações afirmativas, mas de torná-las razoáveis, sem discriminar, por exemplo, o branco pobre. Nem servir de atenuante a governos que deixam de executar políticas amplas e eficientes de melhoria da educação pública básica, a melhor das ações afirmativas.
O ensino básico americano está em crise, e não é de agora. O fato tem sido observado na sequência de exames internacionais de proficiência (Pisa), em que o estudante adolescente americano tem apresentado baixo rendimento, principalmente em comparação com asiáticos (chineses, sul-coreanos) e alguns europeus. E é certo que a aplicação burocrática de cotas não favorece os americanos nessas comparações.
O jornal “New York Times” noticiou ontem que, diante da decisão dos juízes, reitores e outros responsáveis por estabelecimentos públicos de ensino superior já discutem alternativas às cotas, para continuar a incentivar a diversidade em suas escolas.
O critério de renda foi citado, a chamada cota social, também existente no Brasil. Esta não faz a odiosa discriminação pela cor da pele, não segrega o branco pobre.
O alerta vem dos Estados Unidos quando, no Brasil, o racialismo não para de avançar. Deveria fazer pensar por que cotas começam a cair em desgraça junto aos próprios americanos.
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