Para reancorar as expectativas, o presidente eleito terá de priorizar o retorno da inflação à meta
A elevação, para além do limite superior da banda (6,5%), da mediana das expectativas da inflação compiladas pelo Banco Central (BC) para 2014, esquentou o debate sobre a condução da política macroeconômica. Ontem, neste espaço, Mário Mesquita analisou, com maestria, o quadro inflacionário e a ação do BC, mostrando por que a elevação da Selic, de 7,25% para os atuais 11%, não foi suficiente para domar a inflação. A parada iminente da subida da Selic, já sinalizada muito claramente pelo BC, terá de ser temporária, sob o risco de estouro da meta.
O gráfico sintetiza, desde 2001, o desempenho da sistemática de metas para inflação quanto às expectativas inflacionárias. A meta sofreu, inicialmente, várias alterações. Desde 2006, está fixa em 4,5%, com intervalo de tolerância de 2% até 6,5%. Compara-se a meta com a expectativa de inflação 12 meses à frente, prazo considerado razoável para que o BC faça a inflação convergir para a meta. A diferença entre as expectativas e a meta é a área intitulada desvios da meta . O gráfico contém também a taxa Selic.
De 2006 a 2010, os desvios da meta alternaram-se entre valores positivos e negativos, indicando que o mercado acreditava, então, que o BC perseguia, de fato, a meta de 4,5%. Nos anos recentes, isso deixa de ser verdade. Os desvios da meta tornaram-se sistematicamente positivos e crescentes. O gráfico também ilustra o efeito da taxa Selic sobre as expectativas inflacionárias. Até 2010, as elevações da Selic produziram sempre quedas significativas das expectativas de inflação (e também da inflação, embora não conste do gráfico). Isto também deixa de ocorrer, sobretudo após a repentina e canhestra redução da Selic, ao final de agosto de 2011. Em suma, houve flagrante perda de credibilidade da política monetária em anos recentes, como tem sido ratificado por diversos estudos.
A desancoragem das expectativas inflacionárias torna o trabalho do BC muito mais difícil. Prevendo inflação mais alta do que a meta, firmas remarcam preços mais intensamente, ao mesmo tempo que trabalhadores reivindicam salários mais elevados, na conhecida espiral de preços e salários. Para estancar o processo, o BC tem que elevar ainda mais os juros.
Há, entretanto, exemplos nos quais bancos centrais lograram reverter a desancoragem de expectativas sem ter que incorrer no custo de juros muito elevados. Em maio de 1997, após a vitória eleitoral do partido Trabalhista, o recém-nomeado primeiro-ministro Tony Blair conferiu independência ( instrument independence ) ao Banco da Inglaterra para perseguir a meta para inflação de 2,5%. Imediatamente, as expectativas inflacionárias, bem como as taxas de juros de longo prazo, caíram abruptamente, denotando o ganho de credibilidade do novo regime de política monetária.
É pouco provável que algo nessa linha possa ocorrer no Brasil até as eleições. Independentemente do ganhador, o próximo presidente deveria anunciar que promover o retorno da inflação à meta voltará a ser a prioridade do BC. Tal tarefa torna-se ainda mais difícil pela herança da inflação reprimida (energia elétrica, gasolina, tarifas públicas etc) que deverá ser repassada para 2015, estimada entre 120 e 150 pontos básicos. Conferir autonomia operacional ao BC, como fizeram os trabalhistas no Reino Unido em 1997, seria uma medida que reforçaria as credenciais anti-inflacionárias do novo governo. As novas prioridades deveriam se estender às demais políticas macroeconômicas, revertendo a expansão fiscal e parafiscal dos anos recentes. Por outro lado, a continuação do atual processo de perda de credibilidade do BC para além de 2014 pode colocar a inflação, e nossa economia, em uma trajetória muito arriscada. Oxalá isso não venha a ocorrer.
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