O GLOBO - 24/04
A crise que deixou desfalcada a diretoria da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) estava anunciada. Os diretores, em várias reuniões, disseram que não concordavam com a decisão do governo de que um condomínio, sem ativos, tomasse um empréstimo de R$11,2 bilhões. Quando aqui escrevi que havia uma crise, a CCEE negou. Ontem, três dos cinco diretores saíram.
A Câmara praticamente acéfala vai assinar um empréstimo sem pé nem cabeça. Não faz sentido que um ente privado que representa as entidades do setor — por isso é um condomínio —, cuja função é ser uma câmara de comercialização, vá socorrer as empresas distribuidoras.
Esse assunto é tão enrolado que a cada dia aparece um número inesperado, como o custo de R$ 4,7 bilhões de fevereiro, com o preço mais alto de termelétricas e energia comprada no mercado de curto prazo. Esse empréstimo foi arquitetado como mais uma maquiagem, das tantas do país das alquimias, para esconder que as distribuidoras estão quebradas, que o Tesouro está socorrendo as empresas, e que tudo isso será pago pelo consumidor.
Se fosse integralmente posto na conta do Tesouro, o estrago apareceria em sua dimensão exata e o superávit primário teria que ser reduzido. Por isso, o Ministério da Fazenda criou esse plano estranho, de a CCEE se endividar no mercado e ter como garantia uma anuência da Aneel de que parte das tarifas futuras será usada para pagar à Câmara.
O que foi discutido nas reuniões preliminares da Câmara de Energia é a responsabilidade por este empréstimo em caso de calote. Diretores temem ter que responder com seus bens. Por isso, três dos cinco diretores da CCEE saíram depois da aprovação na assembleia da contratação do empréstimo. A dívida será assumida amanhã. Alguns cotistas também têm o mesmo temor, em caso de não pagamento, mas ao mesmo tempo o setor está todo dependendo do governo e com medo de negar.
A operação foi aprovada por 87% dos 70% que compareceram. A maioria que aprova o empréstimo o faz constrangida pelo governo, da mesma forma que alguns bancos foram empurrados para esta operação, de dar uma montanha de dinheiro e ter como garantia uma anuência da agência reguladora a respeito de uma tarifa ainda não recolhida.
A cada novo lance dessa história, mais complexa ela fica.
O governo baixou o preço para fazer propaganda política, os custos cresceram, o consumo aumentou, as empresas não puderam repassar os novos custos e ficaram desequilibradas. O governo quis forçar o preço para baixo em leilões que deram errado e isso fez as empresas ficarem involuntariamente expostas ao mercado de curto prazo, ou seja, elas têm que comprar parte da energia que vendem ao preço que o mercado exigir. Com isso, veio também um ano péssimo do ponto de vista hidrológico e tudo ficou ainda mais grave.
O empréstimo seria de R$ 8 bilhões, passou para R$11,2 bilhões e pode não ser suficiente porque só em fevereiro o custo extra das distribuidoras foi de R$ 4,7 bilhões. As projeções de consultorias como a PSR indicam que se pode chegar ao fim do ano com apenas 10% de água nos reservatórios, mesmo usando todas as termelétricas, o que tornaria o racionamento inevitável no ano que vem.
A crise energética não foi provocada pela pouca chuva desse verão. Ela foi resultado da imperícia e da má administração. Além de deixar monstrengos, como essa dívida tomada pela CCEE para fazer algo que não é sua função — socorrer as distribuidoras —, a crise está legando uma complicada herança para 2015. Quem estiver no governo terá que desatar esse nó cuja origem é o populismo eleitoreiro no setor elétrico.
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