O GLOBO - 06/04
É indefensável uma ingerência nos assuntos internos da Venezuela, mas Brasília pode e deve aproveitar proximidade com Caracas para defender democracia
O que se critica no governo brasileiro é a inexistência de uma política externa de liderança na América do Sul, condizente com a importância do país. No caso do desastroso governo Nicolás Maduro na Venezuela, assim como já ocorria na era Chávez, o “companheirismo ideológico” embaça e desfoca a ação do país, que se põe a reboque do grupo bolivariano. Este valoriza governos autoritários, que apequenam a democracia e tentam ressuscitar projetos de poder soterrados na História pelo próprio fracasso. É o caso do “socialismo do século XXI”.
O Brasil pratica uma diplomacia envergonhada diante da crise que se arrasta na Venezuela e que motiva fortes protestos desde fevereiro, com dura repressão que já resultou na morte de 39 pessoas e em ferimentos em cerca de 500, além da prisão de centenas de manifestantes. Houve flagrante endurecimento do regime de Caracas. Os protestos reclamam da escassez de alimentos e produtos básicos, de uma inflação de 57% em 2013, da criminalidade recorde, da falta de perspectivas (principalmente entre os jovens) e da ausência de liberdades civis, como a de imprensa e a de expressão. A Venezuela está hoje muito perto de se tornar uma ditadura e de uma quebra econômica e financeira.
O país exigiu, com a concordância do Brasil, que coubesse o encaminhamento de uma tentativa de diálogo político à Unasul, organização criada pelos ex-presidentes Lula e Chávez para afastar a OEA e tentar neutralizar a influência dos EUA. A Unasul escolheu Brasil, Colômbia e Equador para compor uma comissão que já esteve em Caracas em busca de aproximar as posições de governo Maduro, oposição e manifestantes. Até agora, em vão.
A última do chavismo foi a decisão do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, de cassar sumariamente o mandato da deputada oposicionista María Corina Machado — método usado no Brasil durante a ditadura militar. Como já acontecera com outros setores oposicionistas, a parlamentar, em visita ao Brasil, se queixou do silêncio do país em relação às violações de direitos humanos em sua terra. O chanceler Luiz Alberto Figueiredo saiu em defesa da política brasileira e da Unasul. Ressaltou que, embora a missão da organização seja ajudar a mediar um acordo entre governo e oposição, a solução deve ser encontrada pelo povo venezuelano, sem interferência externa. Tem razão. Em momento algum deve haver ingerência nos assuntos internos venezuelanos, nem qualquer ação hostil ao governo eleito do país.
O que não impede — ao contrário, deveria estimular — que o governo Dilma Rousseff atue firmemente e pressione o governo da Venezuela a garantir a liberdade de expressão e os direitos humanos. Sem isso, toda e qualquer mediação não tem a menor chance de êxito na preservação da democracia. E o Brasil se tornaria cúmplice de uma ruptura.
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