O Estado de S.Paulo - 06/04
Este ano vão piorar ainda mais os fundamentos macroeconômicos do País. Na questão fiscal, a maior perda será na conta de juros e, em decorrência, na elevação da relação dívida bruta/PIB. No front externo, é forte a probabilidade da elevação do rombo nas transações correntes superando os US$ 82 bilhões do ano passado. O crescimento econômico, ao que tudo indica, tende a ser pior do que o do ano passado e a inflação dificilmente ficará inferior aos 5,91% de 2013.
Além da piora nos fundamentos, deverá continuar o desgaste nas duas maiores empresas estatais: Petrobrás e Eletrobrás entupidas de dívidas, que continuam em ascensão por serem obrigadas a praticar preços e tarifas artificiais e funcionar como biombos da inflação, em vez de cumprir objetivos de expansão estratégicos ao País.
Vejamos a seguir o que se pode esperar do comportamento dos fundamentos macroeconômicos neste ano.
1. Fiscal. Enquanto as análises se entretêm com o não cumprimento do prometido superávit primário de 1,9% do PIB, o Banco Central (BC) continua, desde abril do ano passado, a elevar a Selic, que cresceu 3,75 pontos, podendo crescer ainda mais.
O resultado disso é a elevação das despesas com juros do setor público, que poderá ultrapassar 6% do PIB, pois a Selic média deste ano está prevista superar em mais de 30% a que vigorou no ano passado.
Caso o superávit primário atinja os duvidosos 1,9% do PIB, o resultado nominal (resultado primário menos juros), que é o que importa, será de déficit de mais de 4% do PIB, o pior desde 2003. Ao registrar déficit nesse nível, é fatal o crescimento da relação dívida bruta/PIB, principal indicador das finanças públicas. Interessante notar que nem as análises divulgadas até agora nem o governo federal parecem perceber o estrago fiscal causado pela Selic.
Na questão fiscal vale, também, enfatizar que em ano eleitoral os governos subnacionais (estaduais e municipais) pisam no acelerador das despesas de custeio e de investimentos à cata de dividendos eleitorais. O governo federal, por seu turno, contribuiu para a elevação das despesas com investimentos nos Estados ao conceder no ano passado mais folga para aumentar o endividamento deles. Além disso, é possível que nos próximos dias o Senado golpeie a Lei de Responsabilidade Fiscal se aprovar a mudança do indexador das dívidas dos Estados e dos municípios, com forte elevação subsequente do endividamento subnacional. O golpe vai se fazer sentir no endividamento público a partir de 2015.
Nas contas do governo federal, os problemas já aparecem nas despesas crescentes com as contas de energia elétrica (R$ 10 bilhões no primeiro trimestre) agravadas pela seca, e na arrecadação fruto do baixo crescimento econômico. Assim, é provável que o superávit primário fique mais próximo de 1,5% do PIB, que face a juros superior a 6% do PIB leve o déficit fiscal ficar acima de 4,5% do PIB contra 3,26% do PIB em 2013.
2. Setor externo. Desde 2008, fruto da política de valorização artificial do real perante o dólar para controlar a inflação, as contas externas foram para o campo negativo em escala progressiva. No ano passado, o rombo externo foi de US$ 82 bilhões. Neste ano, as previsões iniciais de US$ 75 bilhões passaram a US$ 80 bilhões, segundo o Banco Central.
O agravamento das contas externas é por causa de um conjunto de fatores adversos em relação ao ano passado. O preço das commodities está em queda, o que afeta sensivelmente as exportações de produtos básicos onde se concentra o núcleo forte das exportações do País. Tende a se manter forte as importações por causa da superoferta internacional. As exportações para Argentina e Venezuela vão ficar atingidas pela crise econômica e financeira que vivem esses países. A conta de combustíveis, que apresentou rombo de US$ 17,6 bilhões no ano passado, deve continuar em forte ascensão diante da política de subsídio à gasolina e ao óleo diesel para conter a inflação. É especialmente daí que há forte probabilidade de o rombo externo se ampliar face ao de 2013. O governo poderia atenuar o déficit caso deixasse o câmbio flutuar, mas não fará isso, pois pode gerar inflação.
3. Inflação. A recente alta dos alimentos veio na pior hora e, o que se prenunciava em alívio nos preços vai, mais uma vez, elevar o índice inflacionário, que está sendo previsto acima de 6% por todas as análises. O represamento dos preços administrados parece já estar atuando no sentido oposto ao que o governo deseja, ou seja, os agentes econômicos prevendo os reajustes que virão já estão se antecipando no reajuste dos bens e serviços. Os elevados índices de difusão apontam para isso. Mesmo que o governo federal continue segurando os preços dos combustíveis e da energia elétrica há o risco de rompimento do teto da meta de inflação neste ano. É o feitiço virando contra o feiticeiro.
4. Crescimento. É o fundamento de maior fracasso do governo. Nos três anos que se passaram, o crescimento médio foi de 2,01% ao ano. As previsões para este ano apontam para nível inferior a 2%, quando os países emergentes devem crescer 5%. A causa principal reside no freio imposto ao consumo pelas altas taxas de juros do sistema financeiro, que contribuíram para elevar o endividamento das famílias. Segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a taxa média de juros ao consumidor vem subindo desde março do ano passado, e em fevereiro bateu em 97,16%! Em outras palavras, os preços dobram para compras financiadas em um ano. Belo freio à economia.
Em consequência, o setor privado não é estimulado a investir e o governo caminha a passos lentos na consecução do seu programa de investimentos. Para coroar essa má situação, o BC age com mão de ferro sobre o câmbio o que desloca parte significativa da demanda por consumo para os produtos importados, ou seja, o componente externo do PIB age contra o crescimento.
Desde 2006 até 2013, ocorreu perda no crescimento econômico por causa do fator externo. Em média, por ano, o fator externo derrubou 1,12 ponto porcentual do crescimento de 3,53%, ou seja, impactou desfavoravelmente 31,7% do crescimento. A razão disso é a excessiva valorização cambial para baratear o produto importado e, com isso, segurar a inflação.
Como o câmbio continuará valorizado pelo governo, é provável que subtraia cerca de um ponto porcentual do crescimento deste ano, ou seja, 50% dele. De pouco adiantará insistir na tese de que é preciso crescer a relação investimento/PIB se a demanda continuar se deslocando para o exterior. É necessário devolver a competitividade roubada pelo governo das empresas ao obrigá-las a operar com câmbio pró-produtos importados. Vale sempre repetir: o câmbio que permite o equilíbrio nas contas externas é acima de R$ 3,00/US$.
Com fundamentos afundando, a probabilidade de ocorrer novo rebaixamento da classificação de risco do País vai crescer e não adianta depois reclamar. A conferir.
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