FOLHA DE SP - 18/02
Em prática recorrente e inaceitável, legisladores gastam recursos públicos de forma abusiva sem que descalabro seja investigado
Parece distante o dia em que os parlamentares brasileiros usarão de forma adequada, sem desperdício de dinheiro público, as verbas a eles disponibilizadas para gastos relativos ao exercício do mandato.
No início do mês, esta Folha revelou que, em 2013, o Senado destinou R$ 23 milhões para ressarcir legisladores de despesas em tese ligadas à atividade parlamentar, mas na prática justificadas por notas fiscais no mínimo suspeitas --e não raro com valores muito superiores aos de mercado.
Agora, novas reportagens mostram que o padrão se replica na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Apesar da transparência recentemente tornada obrigatória na prestação de contas, o descalabro e a impunidade persistem.
No âmbito federal, a Câmara despendeu R$ 160 milhões no ano passado com o reembolso de faturas dos 513 deputados. Cada legislador tem direito a uma cota para arcar com gastos relativos a passagens aéreas, aluguel de escritório, alimentação, combustível e produção de material para divulgação do mandato. O montante varia de R$ 21 mil a R$ 44 mil, a depender do Estado de origem do congressista.
Em São Paulo, R$ 20,4 milhões fluíram para o ressarcimento de 94 deputados. Pelas regras estaduais, cada um deles tem direito a até R$ 25.175 mensais para esse fim.
Sendo tantas as benesses ao alcance dos legisladores, já seria o caso de questionar a existência desse tipo de fundo. A situação tona-se ainda mais grave após simples exame dessas despesas.
O deputado federal Chico das Verduras (PRP-RR), por exemplo, embora tenha à disposição os assessores da Câmara, gastou R$ 325 mil com consultoria legislativa externa --cifra injustificável, sobretudo para quem, como ele, apresentou apenas dois projetos de lei.
Jair Bolsonaro (PP-RJ), por sua vez, em plena era da comunicação gratuita e instantânea pela internet, captou R$ 149 mil para serviços postais relativos ao envio de "três ou quatro" boletins informativos para sua base de eleitores.
Na Assembleia Legislativa paulista, Enio Tatto (PT) considerou oportuno aplicar R$ 144 mil para quitar serviços de gráficas e papelarias, incluindo cartões de fim de ano em dez modelos diferentes.
É de perguntar o que falta para que as respectivas corregedorias, assim como o Ministério Público, apurem com rigor, punindo quando cabível, os possíveis abusos.
Talvez a resposta esteja no "vício insanável da amizade" confessado, em 2009, por Edmar Moreira, então deputado federal pelo DEM-MG, corregedor da Casa e celebrizado pelo castelo que construiu. Para ele, era impossível inquirir e punir colegas corruptos.
Será lamentável se os atuais responsáveis pelas investigações decidirem se espelhar nesse padrão.
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