O Estado de S.Paulo - 07/01
Eis uma nova guerra no Oriente Médio. Já tínhamos uma boa mostra, mas uma guerra inédita começa neste novo ano e é ainda mais perigosa do que todas as outras porque opõe combatentes que pertencem, em princípio, ao mesmo campo daqueles que lutam heroicamente, há dois anos, contra o regime tirânico do presidente sírio, Bashar Assad. A partir de agora, na Síria, há uma "guerra dentro da guerra".
Ela eclode entre os rebeldes contrários a Assad e os jihadistas, ou extremistas, os islamistas frenéticos e os milicianos da Al-Qaeda, que aproveitaram o caos reinante há alguns meses para tentar assumir o controle da insurreição. Os jihadistas, que vieram de praticamente toda a parte, incluindo Grã-Bretanha e França, têm dois trunfos: suas virtudes guerreiras (coragem, organização e armamento) e sua violência insana, que lhes permitiram, nas áreas que caíram sob suas garras, impor a sua lei.
Essas milícias, formadas por sunitas, inimigos mortais dos xiitas, não hesitam em decapitar em público os soldados do regime de etnia alauita, pois se trata de uma ramificação do xiismo. Quanto às populações civis, eles também não dão trégua: saques a igrejas cristãs, imposição do véu, prisão de jornalistas.
Para neutralizar a ameaça sunita e extremista, os rebeldes que lutam contra Assad lançaram, a partir de sexta-feira, uma série de ataques contra posições do Estado Islâmico do Iraque e do Levante. Os ataques começaram em Alepo (norte) e se propagaram para Idlib (noroeste) e depois Rakka (leste) e Hama (centro). Os jihadistas, no início, cambalearam, mas, a partir de domingo, começaram as represálias, com a morte de 50 rebeldes.
O nome que os jihadistas se deram, Estado Islâmico do Iraque e do Levante, não é anódino. Fiel à doutrina da Al-Qaeda, seu combate é transnacional. Desconhece fronteiras. Não é regional. É mundial.
Portanto, não surpreende saber que, no país vizinho, o Iraque, a Al-Qaeda passou à ofensiva e se apossou de uma grande cidade como Faluja (300 mil habitantes) e de parte de Ramadi (não muito distantes de Bagdá).
Ali também encontramos as duas confissões islâmicas inimigas, sunitas e xiitas. Tanto Faluja como Ramadi fazem parte da grande província iraquiana sunita de Anbar. De outro lado, no governo do Iraque, reina um primeiro-ministro xiita, Nuri al-Maliki, que há um ano marginaliza a minoria sunita e concentra todo o poder nas mãos dos xiitas.
O nome Faluja infelizmente evoca muitas lembranças e revive, depois de alguns anos de falsa tranquilidade, o fantasma da catastrófica epopeia de George W. Bush, lançada em 2003, para pacificar o Iraque e estabilizar o Oriente Médio. Nessa mesma cidade de Faluja, os marines dos EUA combateram os insurgentes sunitas, em 2004, em condições atrozes, a ponto de a cidade ser apelidada de "Stalingrado" iraquiano.
Inútil falar novamente do absurdo dessa guerra do Iraque em 2003, os trilhões de dólares lançados no pó do deserto e os milhares de soldados americanos mortos, 1.500 somente na Província de Anbar.
Não devemos esquecer também a responsabilidade de Barack Obama, que parece ter decidido "resolver" o complicado problema do Oriente Médio e não pensar jamais no assunto. "Obama não pode recusar sua parte de responsabilidade", vociferou o seu antigo rival, John McCain.
O retorno com força total da Al-Qaeda já não alimenta discussões teóricas. Trata-se de uma realidade inquietante. A Al-Qaeda, de fato, não limita sua presença e suas ações à Síria e ao Iraque. Ataca também o frágil Líbano, tendo reivindicado o atentado com um carro-bomba, dia 1.º, que matou cinco pessoas na periferia de Beirute.
Em Faluja, o Exército iraquiano cercou a cidade em mãos da Al-Qaeda e deve lançar logo o assalto. Em Ramadi, ataques aéreos mataram 25 islamistas, mas o combate será difícil. Por isso, o International Crisis Group emitiu um alerta às nações ocidentais. "Uma crise está em vias de surgir, do Iraque ao Líbano, o que deixa clara a contaminação de toda a região pela tragédia síria". O que fazer? Uma conferência de paz está prevista para o dia 22, na Suíça. Coragem!
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