terça-feira, janeiro 07, 2014

Nervosos e nervosinhos - GABRIEL DE SALES

BRASIL ECONÔMICO - 07/01

Ao antecipar em quase um mês a divulgação do superávit primário para satisfazer os "nervosinhos", o ministro Guido Mantega começa o ano dando uma demonstração de fragilidade ao transmitir aos brasileiros a sensação de que aquilo que pode ou não pode ser levado ao conhecimento da nação está a mercê do humor de "alguns analistas". Neste caso, colocaram em dúvida o cumprimento da meta de R$ 73 bilhões do superávit, que acabou sendo de R$ 75 bilhões. O ministro rapidamente convocou entrevista coletiva para anunciar o número final, quando também incluiu entre suas justificativas para a antecipação da boa notícia a necessidade de reduzir a "ansiedade" do mercado.

É de se deduzir que a decisão tenha sido tomada com o aval da presidente Dilma Rousseff, e pode dar a entender que a chefe da Nação também se rende aos "nervosinhos". À parte ilações sobre até onde vai o interesse do governo em dar satisfação a "analistas" e se não seria o caso de explicar à sociedade quem são eles, a postura descontraída do ministro em sua primeira manifestação pública do ano deveria ser mantida como padrão ao tratar de muitas outras preocupações dos brasileiros em geral no campo da economia e das finanças públicas.

Um exemplo é a retomada da escalada altista dos juros básicos pelo Banco Central, sempre a pretexto de inibir o consumo para conter a inflação. Só que a iniciativa coincidiu com a vigência de desonerações feitas justamente para estimular o consumo. Apesar das críticas persistentes dos setores produtivos às decisões do BC, em nenhum momento houve interesse em dar à sociedade justificativa para esse ti -po de política monetária. Ainda mais, quando se observa que alguns preços administrados, ou sob influência do câmbio, têm tido maior efeito inflacionário que o consumo em si. O resultado é uma taxa em 2013 que, embora um pouco abaixo do teto da meta, fica novamente bem acima da meta de 4,5%, deixando mais uma vez sob suspeita a eficácia da tentativa de controlar preços via alta de juros.

Também não foi devidamente explicado à sociedade quanto será gasto pelo governo federal com a Copa do Mundo que começa dia 12 de junho próximo, e que benefícios esses gastos trarão aos cidadãos, se é que trarão. As sucessivas críticas de dirigentes da Fifa ao com -portamento das autoridades brasileiras em relação ao evento, a mais recente delas do presidente da entidade, Joseph Blatter, pedem uma resposta, que deveria ser ampliada não apenas para o público externo, mas, essencialmente para os brasileiros. Entre moradores da Zona Leste da capital paulista, por exemplo, têm sido regulares manifestações de descontentamento com a lentidão com que estão sendo tratadas obras de interesse da população - e não apenas de grupos de torcedores -, como maior eficiência nos transportes e a possibilidade de acesso das pessoas a programas educacionais, de cultura e lazer no estádio que lá está sendo construído com recursos públicos.

Os primeiros jogos da Copa coincidirão com o primeiro aniversário das manifestações de junho de 2013, que motivaram, inclusive, pronunciamento da presidente Dilma em rede nacional de TV. Tudo indica que caso o governo mantenha a postura de se preocupar apenas com os "nervosinhos", poderá ter que voltar a dar satisfações a pessoas que estarão muito mais nervosas. Motivos não faltam.

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