O GLOBO - 18/01
Trata-se, antes de tudo, de um vocábulo patético, cafona, que poderia muito bem ter saído da cabeça de um soldado de José Dirceu
O rolezinho do PT no Palácio do Planalto, como se sabe, caminha para perfazer 16 anos — o dobro do Estado Novo de Getúlio Vargas. Se Dilma Rousseff não aparecer fantasiada de Marcos Valério em algum dos seus pronunciamentos à nação — ela já fez o do réveillon, só faltam o do carnaval, o do Dia da Mulher, o da Páscoa, o do Dia do Trabalho, o do Dia das Mães, o de Corpus Christi, o do Dia dos Pais e o do Dia da Independência — ninguém tasca mais quatro anos de rolezinho petista. Tudo correndo bem no primeiro turno, Dilma nem precisará convocar cadeia de rádio e TV no Dia de Nossa Senhora Aparecida e no Dia de Finados, porque os concorrentes já estarão finados no início de outubro.
Enquanto a próxima data festiva não chega, o governo popular trabalha duro para reciclar sua retórica coitada. E acaba de encontrar uma nova jazida, que talvez possa jorrar poesia social-demagógica até a eleição. O fenômeno dos rolezinhos — invasão de shoppings por multidões de jovens da periferia — foi uma providência divina na vida ociosa dos governantes petistas.
Não que eles se importem de mentir um pouco mais nos pronunciamentos oficiais, como no anúncio do superávit de 2013: o governo roubou 35 bilhões de reais da meta (meta para eles é um estado de espírito) e divulgou, com a maior tranquilidade, o cumprimento da mesma. Ainda rebolou como um Anderson Silva na frente do adversário, informando que estava divulgando a façanha com antecedência para “acalmar os nervosinhos”. Fale a verdade: se você conta uma mentira desse tamanho em casa e ninguém duvida, ou você vai ficar zangado com a ignorância dos seus ou vai querer abrir imediatamente uma franquia da bocarra petista.
Mas aí surgiu o rolezinho. Trata-se, antes de tudo, de um vocábulo patético, cafona, que poderia muito bem ter saído da cabeça de um soldado de José Dirceu — desses que passam a vida bolando vírus sociais como munição ideológica. Mas é melhor imaginar que o rolezinho não tenha sido invenção de algum desses aloprados profissionais, porque aí o esquema teria chegado à perfeição — e com sordidez perfeita não se discute. O fato é que o fenômeno em si, com toda a sua miséria fonética, estética e cultural, trouxe um sopro de vida à indústria do oprimido.
É fácil saber quando um assunto entra no altar da panfletagem petista. Quando o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, surge do nada se pronunciando sobre alguma coisa, é tiro e queda: o estado-maior detectou ali um excelente potencial demagógico. E adivinhem o que o analista de invasões a shoppings, em nome de todo o império da penúria, acha do tema? Acertou: ele acha um fenômeno natural, numa sociedade que precisa entender que “acabou a possibilidade de termos espaços segregados”.
Não é uma beleza? De fato, não há segregação possível, não há fronteiras que possam deter o pensamento solidário dos hipócritas. A revolução socialista dos rolezinhos já levou até três mil adolescentes para dentro de um shopping em São Paulo. O PT acha certo — e boa parte da burguesia culpada e pusilânime também vai achar — que uma multidão de garotos, reunidos não interessa por que rede social, não interessa por que motivo, tosco ou não tosco, tem o direito de privar os indivíduos que não estão em bando do lazer ou dos serviços de um shopping. A não ser que o secretário-geral ache que vai passear com a sua família, lanchar, consumir cultura, moda e circular normalmente num caixote com recheio adicional de 3 mil pessoas.
Assim é a infernal bondade aritmética da esquerda: se um ajuntamento de cabeças, ocas ou não, resolve ocupar um espaço público e atropelar a sua finalidade, tudo bem. Essas mentes bondosas e esquemáticas, que acham o rolezinho natural, só sabem repetir que não se pode barrar ninguém em lugar nenhum, e que qualquer outra atitude é preconceito elitista contra a periferia.
Se um adolescente ou jovem saudável vai escolher virar massa humana para transformar shopping em galpão, ou para cortar o barato alheio, é duvidoso. Não é só isso? É protesto? É invasão? Que seja — mas seja identificado como tal, e tratado como tal. Se não, humanistas como Gilberto Carvalho continuarão dizendo que o rolezinho dos menininhos coitados não é caso de polícia — até que o próprio rolezinho se torne a autoridade nos shoppings, porque ninguém pode nada com uma multidão dessas. Aí é rezar para que suas excelências rolezistas não decidam saquear e quebrar, como já andou acontecendo.
Enquanto isso a inflação de 2013 ultrapassou a expectativa — que já afrontava a meta —, reduzindo o poder de compra dos periféricos e dos não periféricos. Talvez a saída seja mesmo rolezinho para todos. Os mortais ocupam os shoppings, de graça; os companheiros ocupam o Estado brasileiro, bem pagos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário