FOLHA DE SP - 17/01
Em 67, em Salvador, Piero Gancia e Emilio Zambello venceram a primeira prova em dupla pilotando uma Alfa
Não quis nem saber. Na largada, mandei o pé lá para baixo e saí desviando dos "marcha lentas". Não tinha tempo a perder, eu era uma mulher com uma missão. Quando cheguei na beirada do precipício do "S" do Senna já tinha papado uns dois ou três. A mim pouco importava se a maioria dos meus "adversários" estava ali só para tomar ar no rosto e rever os amigos ou se os carros deveriam ser poupados, posto que eram relíquias e nos haviam sido gentilmente cedidos pelos donos.
Quando soube que teria de defender a honra da família ao volante, no solo amigo da pista de Interlagos, achei melhor estabelecer um objetivo claro que pudesse tirar qualquer outra distração do caminho. Não queria que minha hipófise, já tão bombardeada em 56 carnavais, acabasse sendo fragilizada de antemão por emoções indevidas, entre elas, o fato concreto de que aquele evento traria fartas lembranças a todos os envolvidos.
O convite ao qual eu respondera (com grande entusiasmo, diga-se), fora o de reviver a equipe Jolly-Gancia junto com os filhos dos outros membros do "team" em uma "corrida" de 5 voltas que deveria ocorrer antes do início dos 500 Quilômetros de Interlagos.
Nos anos 60, a Jolly competia com as berlinetas da equipe Dacon, as carreteiras do Camillo Christófaro, o Fitti-Porsche dos irmãos Wilson e Emerson, brasincas e DKWs no campeonato nacional.
Tudo começara quando meu pai, Piero, levou uma Alfa Romeo de passeio para consertar em uma oficina no Brás e o mecânico que o recebeu, uma figura cuja perna direita foi extraída de um filme de Fellini e a esquerda de um filme de Mario Monicelli, imediatamente ordenou que ele colocasse o carro para correr.
Como Piero sempre fora admirador de Ascari e Nuvolari e conhecia um pouco de velocidade, e o mecânico, Giuseppe Perego, tinha trabalhado com Fangio na Maserati, a coisa engrenou.
Juntaram-se a eles Manolo, assistente de Giuseppe, Celso Lara Barberis, o melhor piloto da época, que viria a falecer logo em seguida, e Emilio Zambello, que de 1962 em diante acompanhou Piero dentro e fora das pistas em uma trajetória admirável como co-piloto, sócio, amigo e irmão.
A Jolly passou por altos e baixos. Em 1967, em Salvador, Piero e Emilio venceram a primeira em dupla. Em 1969, de 24 corridas, a equipe ganhou 23. Houve uma corrida na Bahia em que fizeram as seis primeiras colocações.
Giuseppe, sua bituca no canto da boca e seu chapelão de palha, todo sujo de graxa, Manolo, sempre com olhar grave, mais os bons rapazes Piero e Emilio montaram uma equipe pela qual passaram José Carlos Pace, Marivaldo Fernandes, Wilson Fittipaldi Jr., Tite Catapani, Ubaldo César Lolli, Graciela Fernandes, Ciro Cayres, Afonso Giaffone, os irmãos "Abillion" e Cidão Diniz, Lulla Gancia e Felice Albertini, que vinha a ser nosso motorista particular e também, não sei como conseguia tempo, sargento do juizado de menores.
Foi na subida do laranjinha que eu finalmente consegui mandar pela janela um vistoso dedo ao meu irmão, enquanto ultrapassava a alfinha GTA que o Marcelo, filho do Manolo, arrumou para ele pilotar naquele dia. O evento era uma homenagem ao Emilio, não uma prova de vida ou morte, ninguém estava pisando fundo, mas eu não pude conter minha dick-vigarice.
Nem tampouco contive as lágrimas, minutos depois, já nos box, na hora em que o sujeito ao microfone descrevia as glórias de Zambello e ele discretamente se aproximou do camarada e sussurrou ao seu ouvido: "Agora fala do Piero".
Não imaginava que aquela linda manhã de outubro em que a gente se divertiu tanto seria a última vez que o viria. Emilio Zambello nos deixou na última quarta-feira, aos 87 anos.
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