O GLOBO - 17/01
O presidente socialista repete seu colega de partido François Mitterand, que, em 1983, foi obrigado a ir contra aquilo que pregara dos palanques
O socialista François Hollande ganhou a eleição presidencial francesa em 2012 com uma plataforma antiausteridade, de crítica à condução alemã no enfrentamento da crise europeia. Ele seria o reverso de Angela Merkel. O discurso, música para os ouvidos de um eleitorado temeroso diante do futuro, recebeu aplausos também em outras paragens, como Brasília, onde residem convictos “desenvolvimentistas”, para os quais os nós atados nas economias são cortados por simples força de vontade política e na base do intervencionismo estatal.
Pelo menos na França, o fim deste sonho foi sacramentado pelo próprio Hollande, numa entrevista coletiva que concedeu no Elysée, em grande estilo, terça-feira. O tema que mais excitava a curiosidade popular, tratado na entrevista, era a descoberta de um novo relacionamento amoroso do presidente, a atriz Julie Gayet.
Respondida a pergunta sobre Geyet, com a clássica resposta sobre o respeito aos limites da vida privada, Hollande anunciou medidas para a redução de impostos sobre as empresas e cortes de gastos orçamentários em geral — impensáveis, se considerarmos o Hollande de 2012.
Em custos trabalhistas, o presidente francês promete cortar € 30 bilhões e, entre 2015 e 2017, € 50 bilhões em gastos públicos — outra heresia. Haverá grande resistência política e sindical, mas Hollande, com maioria no Parlamento, tem sólidos argumentos para convencer a sociedade e sua base.
Como era previsto e visível, o peso do Estado francês força uma carga tal de impostos que torna a França cada vez menos competitiva, e não apenas em relação à Alemanha, cujo nível de tributos sobre empresas é o objetivo que o governo Hollande deseja atingir. Não será fácil, mas é preciso buscar a meta.
O preço que o país tem pago é uma taxa de desemprego na faixa de 10% e 11% — o dobro do índice alemão —, devido à virtual estagnação econômica. Na base de tudo, encontra-se um Estado que custa à sociedade francesa 57% do PIB — o brasileiro, já obeso, tem um peso para o contribuinte equivalente a quase 40% do PIB.
Não é a primeira vez que um presidente socialista francês é forçado pela vida real a dar meia-volta, volver. Sem comparar os momentos, em 1983, François Mitterrand, depois de estatizar bancos como prometera, entre outros delírios, também foi forçado a recuar, por força da deterioração da economia. Fez bem, constatou-se.
Hollande acena agora com o início de uma reforma que a esquerda alemã, por meio do chanceler Gerhard Schröder, social-democrata (SPD), executou entre 1998 e 2005, linha que, em certa medida, o trabalhista Tony Blair seguiu como premier britânico. Isso prova que há situações na história de um país em que as circunstâncias levam líderes a atropelar o discurso ideológico-partidário. Mas é preciso ter um pedigree de estadista
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