O Estado de S.Paulo - 17/01
Fui algumas vezes ao Maranhão. Não é, para mim, uma região distante que possa analisar racionalmente em laboratório. Gosto de lá e tenho apreensão por seu futuro.
Os primeiros contatos que tive com o Maranhão foram estimulados pelo interesse por Alcântara, uma bela cidade, ligada a São Luís pela Baía de São Marcos. Alcântara são ruínas deixadas pelos ricos que a abandonaram, levando consigo maçanetas de porta, janelas, tudo o que puderam carregar.
Em Alcântara trabalhei na mediação entre os interesses das comunidades negras e indígenas e a base espacial, marcada por fracassos e até uma tragédia. Minha hipótese era de que, recuperando o casario colonial, harmonizando o interesse de quilombolas, indígenas e a própria base, seria possível construir um modelo em que várias épocas do Brasil convivessem no mesmo espaço. Isso ampliaria as possibilidades turísticas do Estado. Quase ninguém se animou com a ideia.
Mais tarde voltei ao Maranhão para cobrir as enchentes em Trizidela do Vale. E, finalmente, fiz um trabalho em Buriti Bravo sobre saúde, tendo de percorrer hospitais e postos em vários pontos da região, incluindo cidades médias, como Caxias.
A visita da última semana a São Luís foi a segunda que fiz por causa dos conflitos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Cabeças decapitadas, superlotação, luta interna na cúpula da Segurança, quase tudo do mesmo jeito. Quase tudo porque o governo, em vez de refletir sobre a ideia de manter metade dos presos de todo o Estado num só presídio, contratou uma empresa de segurança de aliados.
A governadora Roseana Sarney afirma que dizer que o Maranhão é dominado por uma família há 48 anos se trata de ignorância ou má-fé. Para mim, soa como afirmar que é ignorante quem acredita que a Terra gira em torno do Sol.
O que os olhos me dizem em São Luís e outras cidades? Que a família Sarney é onipresente em nome de ruas, vilas, maternidades, escolas. O ponto máximo dessa ocupação simbólica é a transformação do Convento das Mercês numa espécie de museu José Sarney, mascarado sob a denominação Fundação da Memória Republicana Brasileira. Se vejo TV, ouço rádio, leio o jornal diário e pergunto quem são os donos, a resposta é sempre a mesma: a família Sarney.
Sarney ganhou uma dimensão nacional superior à importância política do Maranhão. Ele não só enriqueceu mais, mas também ocupou mais espaços no poder do que seu Estado natal ocuparia sem ele. Com a crise de Pedrinhas, o Maranhão ressurge no noticiário e é razoável examinar a trajetória de Sarney em relação ao Estado que domina há quase meio século.
Quando foi eleito governador, em 1966 Sarney foi tema de um filme de Glauber Rocha. Fazia discursos inflamados, prometia acabar com a corrupção, com a impunidade, enfim, revolucionar um Estado paupérrimo. Hoje o Maranhão tem 12% de miseráveis, mais da metade da população não tem banheiros. Sarney tornou-se poderoso, os empreendimentos da família cresceram, mas tudo indica que agora essa relação dominadora pode ser derrubada.
Sarney e Roseana são aliados do PT. Certamente se inspiraram na forma de argumentar do governo federal para se defenderem na crise. Roseana afirmou que o Maranhão se tornou violento porque ficou mais rico. Quem não se lembra, em junho de 2013, dos argumentos de que a prosperidade era a causa das manifestações de rua?
Mas ela errou o tom. Na mesma semana licitava lagostas e caviar para alimentar o Palácio dos Leões, como o próprio nome indica. Sarney também lançou mão da tática do governo federal: ressaltar um ou outro aspecto positivo e se fixar nele como tábua de salvação, como o ministro Aloizio Mercadante ao examinar o baixo resultado do Pisa ou o ministro Guido Mantega descrevendo criativamente os números da economia.
No Maranhão, disse ele, há conflitos nos presídios, mas não se espalham pelas ruas. E foi mais longe na tática de argumentação dos setores oficiais da esquerda: apontou para os problemas dos outros. Mencionou o Espírito Santo e Santa Catarina, onde houve conflitos de rua, até mesmo acabando com o carnaval capixaba. Horas depois, distritos policiais metralhados, ônibus incendiados, uma menina de 6 anos morta pelas chamas, em São Luís. Não estavam preparados para a crise precisamente porque todos esses anos de dominação criaram uma espécie de viseira, alimentada pela falta de uma imprensa independente mais forte, à altura do Maranhão.
Embora o declínio seja visível, a força de Sarney no Maranhão também o é. As eleições maranhenses podem ter dimensão nacional. O adversário mais bem colocado é o presidente da Embratur, Flávio Dino, do PC do B. Depois de 48 anos de dominação do clã, passar às mãos do PC do B não deixa de ser uma trajetória singular para um Estado com tanto potencial.
Como o campo da política é mais pantanoso, não se sabe até que ponto virão mudanças. A sensação que tive em São Luís é de que, ao menos na capital, há um desejo de romper com o longo domínio. Com baixos índices sociais e alto nível de violência, os sobressaltos na sociedade são tão imprevisíveis quanto na política.
Devo voltar ao Maranhão para filmar os búfalos que importaram para desenvolver uma região do Estado. Os búfalos multiplicaram-se tanto que arrasaram a lavoura, e continuam aumentando. Quem sabe, correndo por fora, os búfalos não se tornem também protagonistas de destaque no Estado? Eles dão carne, leite e queijo, mas devastam tudo o que há ao redor.
Isso me parece muito com o destino de um Estado que cresce, mas deixa um rastro de destruição, violência e miséria. Os poderosos estão felizes. Os búfalos, também.
José Sarney precisava ter acreditado nos seus discursos de 1966, quando se elegeu. Estão lá no filme do Glauber. Seguiu um caminho diferente. O filme agora é outro: poder, riqueza, glória e o mesmo povo pobre das imagens de Glauber.
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