quarta-feira, janeiro 29, 2014

O Brasil pode ajudar a Argentina? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 29/01

Para ajudar a Argentina, e não Kirchner, o Brasil teria de exigir medidas que não adota nem aqui


O BRASIL TEM meios para ajudar a Argentina a atravessar a crise. "Atravessar a crise", porém, significa sair dela. Para tanto, seria necessário que o Brasil assumisse mais ou menos um papel semelhante ao do Fundo Monetário Internacional, de preferência com menos tolices perversas, mas ainda assim um FMI.

Assumir o papel de FMI significa, de um modo ou outro, exigir contrapartidas ao auxílio. A fim de que o auxílio não seja mero enxugamento de gelo, a Argentina teria de abandonar a política econômica que causa a crise.

Parece politicamente inviável, não só devido à resistência argentina a condições impostas pelo Brasil. Os problemas estão deste lado da fronteira também. Um deles é que o Brasil teria de solicitar à Argentina que tomasse providências também evitadas pelo governo brasileiro.

O Brasil está muito, muitíssimo longe do descalabro argentino, mas, em essência, na "estrutura", os problemas são semelhantes: excessos de consumo, em especial do governo, problemas que se tornaram ainda mais agudos devido às mudanças na economia mundial. Isto é, crescimento mais vagaroso em geral, agora o da China em particular; o começo do fim da superabundância de capital barato. Enfim, há menos dólares para financiar nossos excessos; temos inflação.

O governo da Argentina tem deficit porque elevou demais o subsídio que dá ao preço da energia e do transporte público, principalmente, e devido a reajustes de salários de servidores. Não tem como financiar seu deficit no mercado internacional, onde está enrolada em processos devido aos calotes de 2001-02.

Não financia seu deficit no mercado doméstico porque teria de pagar juros altos, o que levaria o país à recessão (que, no entanto, será mais ou menos inevitável). No fim das contas, o banco central paga os excessos de gastos do governo, o que é gasolina no fogo da inflação e um método primitivo de fazer política econômica.

O excesso de consumo e a desorganização da atividade produtiva causada pelas intervenções desastrosas do governo causam deficit externos (o país compra mais do que vende no exterior), os quais não pode financiar a não ser por um incerto e cadente investimento direto, daí a escassez de dólares, grosso modo.

O Brasil pode ajudar a Argentina a mudar de dieta de modo mais organizado. A evitar uma desvalorização descontrolada do peso, embora a desvalorização seja requisito para o país sair da crise (seus produtos são caros, dada a inflação muito alta). Mas, para a desvalorização funcionar, o governo da Argentina precisa conter a inflação, controlar gastos, o que no caso implica reduzir subsídios.

Tem de ser aos poucos, para não esfolar o povo, o que de resto provocaria outro caos político. Enfim, a Argentina precisa elevar seus juros, ora negativos (menores que a inflação. Não faz sentido poupar, pois, a não ser em dólares escassos).

Mesmo que comedido, tal programa tende a arruinar a popularidade de Cristina Kirchner; significaria a rendição do modelo político e econômico da última dúzia de anos, que se esgotou após a crise de 2008-09.

Vê-se que o programa que o FMI-Brasil teria de solicitar à Argentina não difere, em essência, do mesmo remédio de que precisamos aqui, embora em escala muitíssimo menor.

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