CORREIO BRAZILIENSE - 29/01
O Brasil registrou em 2013 o maior deficit externo de sua história: US$ 81 bilhões. O número é não apenas alto e superior às expectativas, como veio acompanhado de outras tendências que causam justificada apreensão. Primeiro, ele marca uma forte alta em relação a 2012: exatos 50%, apesar da modesta alta no PIB. Segundo, enquanto em 2012 o investimento estrangeiro direto (IED) somou 120% do deficit em conta-corrente, em 2013 ele cobriu apenas 79% do deficit. A composição do IED também piorou: em 2012, 81% do IED foram investimentos em participação no capital e 19% empréstimos intercompanhias, forma de financiamento externo de pior qualidade; um ano depois, essas proporções mudaram para 65% e 35%, respectivamente.
Ainda que todas as principais contas em transações correntes tenham piorado, o destaque ficou com a balança comercial, cujo saldo caiu de US$ 19,4 bilhões para US$ 2,6 bilhões. A maioria dos analistas acredita que esse saldo será maior em 2014, ajudando a reduzir o deficit em conta-corrente. Para o Banco Central (BC), o saldo comercial este ano vai a US$ 10 bilhões, com o deficit em conta-corrente caindo a US$ 78 bilhões. A expectativa mediana do mercado, de acordo com o boletim Focus do Banco Central, é de um saldo comercial de US$ 8 bilhões e um deficit em conta-corrente de US$ 73 bilhões.
Essa expectativa de melhora está ancorada em dois argumentos. Primeiro, que o câmbio mais desvalorizado vai reduzir importações e elevar exportações. Segundo, que o crescimento mais alto nos EUA e na Europa vai puxar a demanda por exportações. Esses são pontos frágeis, no meu entendimento.
O real mais fraco ajuda, mas apenas em parte, devido ao semicongelamento do preço de combustíveis. De fato, apesar de toda a desvalorização cambial em 2013, a inflação de produtos não comercializáveis foi 40% maior do que a de comercializáveis. Isto é, os preços continuam se movendo em favor de piora, e não de melhora, do saldo comercial. De fato, nas primeiras quatro semanas deste mês, o saldo comercial por dia útil ficou US$ 31 milhões menor do que em janeiro de 2013.
O FMI prevê que os EUA e a União Europeia cresçam, respectivamente, 1,0% e 1,2% a mais em 2014 do que em 2013, o que ajuda. Porém, esses países perderam participação nas nossas exportações, respondendo por 30% do total, contra 19% da China, 8% da Argentina e 2% da Venezuela, países que devem crescer menos este ano que ano passado. A Argentina, em especial, deve reduzir bem suas compras de produtos brasileiros, afetando especialmente a indústria automobilística. Outros países latino-americanos também devem desacelerar, reduzindo suas compras de produtos brasileiros.
Outro fator que deve jogar contra um aumento do saldo comercial é a queda dos termos de troca. Na média dos dois últimos anos, o preço das exportações caiu 4% ao ano, enquanto o das importações permaneceu virtualmente estável. Se isso se repetir este ano, serão US$ 9,7 bilhões a menos no saldo comercial.
Como proporção do PIB, o deficit em conta-corrente saltou de 2,4% para 3,7% entre 2012 e 2013. O BC projeta que ele caia para 3,5% do PIB este ano, mas isso supõe um PIB em dólar constante. Não parece uma boa hipótese, visto que a desvalorização do câmbio - 12,2%, de acordo com o mercado - deve superar a alta do PIB nominal cerca de 7,9%.
Assim, eu acredito que o deficit em conta-corrente deve aumentar outra vez em 2014, e aproximando-se de 4% do PIB. De fato, desde 2005, o saldo em conta corrente vem piorando a uma média de 0,6% do PIB ao ano.
Esse é o resultado de um modelo econômico que estimula uma alta da demanda doméstica superior à do PIB, o que exige uma forte expansão das importações para compensar. É difícil acreditar que, em ano eleitoral, o governo esteja disposto a reduzir o crescimento do consumo privado e do investimento a ponto de mudar essa tendência. Especialmente, porque teria de ser uma desaceleração não trivial, devido à tendência de queda do preço das exportações.
O financiamento desse deficit também será de pior qualidade, ficando mais dependente das altas taxas de juros para se atrair capital volátil. No todo, portanto, as contas externas devem piorar mais este ano, ainda que menos do que em 2013. Com o Banco Central americano reduzindo as injeções de liquidez no mercado internacional, a preocupação com esse tema vai aumentar.
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