O Estado de S.Paulo - 29/01
Ninguém pode considerar-se feliz enquanto estiver vivo, ensinou o legislador ateniense Sólon ao rei Creso, da Lídia, no século 6.° antes de Cristo. É um princípio que vale para avaliar a qualidade da administração dos mais importantes comandantes de políticas públicas.
Ben Bernanke deixa dia 31 a presidência do mais poderoso banco central do mundo, o Federal Reserve (Fed), depois de ter comandado a política monetária dos Estados Unidos durante a maior crise financeira desde a Grande Depressão. Ele continua colecionando calorosas críticas e elogios, a começar pelas avaliações negativas feitas pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que aparentemente não gostava dele.
Bernanke pilotou o navio no meio de tempestades avassaladoras e de pânico nos mercados. Emitiu cerca de US$ 4 trilhões, na fronteira da irresponsabilidade, para inchar o balanço do Fed com títulos públicos e privados, com o objetivo de criar alguma demanda para o que passou a ser chamado de lixo tóxico. E manteve no nível do chão, por 62 meses, os juros básicos dos Estados Unidos (Fed funds).
Seus admiradores insistem em que o fato de ter evitado o naufrágio já é feito heroico para consagrá-lo como grande comandante. Seus detratores o acusam de não ter previsto o furacão, de ter contribuído para ele com sua política monetária frouxa demais e, depois, de ter sido arrastado por ele. Argumentam, ainda, que a atividade econômica dos Estados Unidos continua insatisfatória, que há hoje 1,2 milhão de desempregados além dos que existiam no início da crise e que há uma bomba atômica pairando sobre nossas cabeças à espera de quem a desarme.
Bernanke chega ao final do mandato sem completar o serviço. Uma coisa é ter concebido e conduzido a maior armação não convencional de política monetária, as tais megaemissões de dólares para recompra de títulos, também conhecida como afrouxamento quantitativo (quantitative easing). Outra tarefa tão importante e perigosa consiste em reverter essa política, agora a cargo da sucessora, Janet Yellen, a primeira mulher à frente do Fed.
Trazer de volta essa dinheirama antes que provoque inflação devastadora e sem criar pânico é o complemento da missão a cumprir, e sem sua avaliação será impossível um juízo equilibrado sobre o conjunto da obra.
No entanto, o mercado financeiro e a atividade bancária dos Estados Unidos já não são mais o vale-tudo que prevaleceu antes de 2007 e que atirou o mundo no rodamoinho. A tarefa saneadora produziu efeitos, há mais regulação no mercado financeiro e, ainda onde não há dela o suficiente, há pelo menos a consciência de que é preciso mais.
Mas a economia global é outra, a estrutura do fator trabalho está mudando em toda a parte com o uso intensivo de tecnologia da informação e já não se sabe até que ponto o nível de emprego deve comandar a política monetária, especialmente a do Fed, como é hoje.
Os Estados Unidos começam a viver os tempos de uma revolução energética, que, em princípio, nada tem a ver com a atuação do Fed. Essa, sim, poderá ser a redenção da economia americana. Se isso se confirmar, também a avaliação da administração Bernanke poderá ganhar outra direção.
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