A inexistência de um único órgão responsável pela aplicação da lei tende a gerar uma forte insegurança jurídica
Enquanto muitos acompanham preocupados - e com razão - o possível rebaixamento do Brasil pela agência de rating Standard & Poor's, pouca gente deu importância para o fato de termos caído no índice de percepção publicado anualmente pela Transparência Internacional, organização que mede o nível de corrupção no setor público em 177 países. Caímos pouco, é verdade, da 69ª para a 72ª posição, mas o fato é que caímos e isso precisa ser entendido com cuidado. Muitas empresas globais consideram este índice, em conjunto com outros tantos, no momento de analisar o grau de risco de seus investimentos mundo afora.
Apesar da queda, não podemos negar que 2013 foi um ano de grande avanço em áreas importantes do combate à corrupção. A prisão dos mensaleiros, por exemplo, pode ser um sinal que a impunidade - tão apreciada pelos corruptos - estaria com os seus dias contados. Mas a quebra de paradigma para 2014 estará no foco deste combate, tendo em vista que a Lei 12.846, sancionada pela presidente Dilma em 1º de agosto de 2013, terá como alvo exclusivo as empresas que cometerem atos contra a administração pública.
Hoje, dia 29, a lei entrou em vigor, inserindo em nosso ordenamento jurídico novos dispositivos legais que passarão a responsabilizar, na esfera civil e administrativa, as empresas envolvidas - por exemplo - em atos de corrupção.
Até então, apenas os indivíduos respondiam criminalmente pelo pagamento de propina para agentes públicos, enquanto as empresas beneficiadas pela corrupção limitavam-se a pagar os advogados de seus executivos e - em alguns poucos casos - defendiam-se dos dispositivos das leis de improbidade administrativa e de licitações, os quais quase sempre deixam de ser aplicados pela dificuldade na produção de provas capazes de confirmar o malfeito.
Com o advento da nova lei, a responsabilidade da pessoa jurídica passará a ser objetiva. Vale dizer, portanto, que a empresa poderá passar a responder independente da comprovação de dolo ou culpa, ainda que o ato lesivo tenha sido praticado sem seu conhecimento por um terceiro que represente seus interesses perante uma autoridade pública. Ou seja, a responsabilidade estará atrelada ao fato de a empresa ter se beneficiado, direta ou indiretamente, de um ato lesivo assim definido pela lei.
Na esteira das leis estrangeiras FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) e UK Bribery Act, bem como para atender às pressões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - que há tempos vem cobrando uma postura mais proativa do Brasil no combate à corrupção -, as sanções previstas pela legislação brasileira são pesadas e preveem, por exemplo, multa administrativa de até 20% do faturamento bruto da empresa e penas na esfera civil que farão, por exemplo, com que a mesma seja proibida de receber incentivos e investimentos públicos ou, pior, tenha a sua dissolução compulsória decretada por um magistrado.
Como vimos nas últimas semanas no escândalo envolvendo o metrô de São Paulo, o pedido judicial de dissolução poderá ser usado indiscriminadamente como forma de persuasão para que as empresas aceitem acordos financeiros milionários propostos pelo Ministério Público.
A Lei 12.846/2013 é autônoma e autoaplicável, devendo ser regulamentada apenas no que se refere às condicionantes que serão levadas em consideração pelas autoridades competentes quando da sua atuação. A Controladoria Geral da União (CGU) está na iminência de publicar um normativo que, dentre outros temas, deve endereçar as dúvidas sobre aquilo que está sendo chamado de "Programa Estruturado", algo que em outros países é conhecido como Programa de Compliance que, em suma, é composto por um conjunto de mecanismos de prevenção e procedimentos internos de integridade, tais como políticas escritas, treinamentos, auditorias e canais de comunicação confidenciais que incentivam a denúncia de irregularidades.
O mais interessante é que o legislador optou por considerar tais iniciativas como atenuantes ou agravantes para a dosimetria das sanções, isto é, se a empresa demonstrar que implementou seu programa de boa-fé e, o mais importante, envida todos os esforços para torná-lo efetivo, as penas poderão ser fixadas em patamares menos agressivos. Caso contrário, as consequências poderão ser muito negativas.
Do ponto de vista da responsabilidade civil, está claro que caberá ao Ministério Público investigar e ajuizar a competente Ação Civil Pública. No entanto, o grande gargalo da lei está na definição de quem será a autoridade competente por aplicá-la na esfera administrativa. A lei confere esta atribuição à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.
Ao mesmo tempo em que a escolha feita pelo legislador por um poder administrativo sancionador descentralizado poderá dar maior celeridade e efetividade à aplicação de multas significativas para empresas que insistem em adotar práticas espúrias em seus negócios, a inexistência de um único órgão administrativo responsável pela aplicação da lei (como é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade - no âmbito concorrencial) tende a gerar uma forte insegurança jurídica que, como se sabe, é uma das grandes causas da judicialização do processo administrativo.
Antes de descobrirmos se as autoridades que aplicarão a lei na esfera administrativa o farão de maneira adequada - o que evitaria mais uma enxurrada de ações que sufocarão ainda mais o nosso já combalido Poder Judiciário - duas perguntas deverão ser respondidas, sendo que a primeira dá o tom à segunda.
Quais serão os mecanismos de integridade escolhidos pela CGU? Uma vez definidos, será que as empresas estarão preparadas para utilizá-los com sucesso para ajudar a combater com efetividade a corrupção que assola o nosso país?
Enquanto muitos acompanham preocupados - e com razão - o possível rebaixamento do Brasil pela agência de rating Standard & Poor's, pouca gente deu importância para o fato de termos caído no índice de percepção publicado anualmente pela Transparência Internacional, organização que mede o nível de corrupção no setor público em 177 países. Caímos pouco, é verdade, da 69ª para a 72ª posição, mas o fato é que caímos e isso precisa ser entendido com cuidado. Muitas empresas globais consideram este índice, em conjunto com outros tantos, no momento de analisar o grau de risco de seus investimentos mundo afora.
Apesar da queda, não podemos negar que 2013 foi um ano de grande avanço em áreas importantes do combate à corrupção. A prisão dos mensaleiros, por exemplo, pode ser um sinal que a impunidade - tão apreciada pelos corruptos - estaria com os seus dias contados. Mas a quebra de paradigma para 2014 estará no foco deste combate, tendo em vista que a Lei 12.846, sancionada pela presidente Dilma em 1º de agosto de 2013, terá como alvo exclusivo as empresas que cometerem atos contra a administração pública.
Hoje, dia 29, a lei entrou em vigor, inserindo em nosso ordenamento jurídico novos dispositivos legais que passarão a responsabilizar, na esfera civil e administrativa, as empresas envolvidas - por exemplo - em atos de corrupção.
Até então, apenas os indivíduos respondiam criminalmente pelo pagamento de propina para agentes públicos, enquanto as empresas beneficiadas pela corrupção limitavam-se a pagar os advogados de seus executivos e - em alguns poucos casos - defendiam-se dos dispositivos das leis de improbidade administrativa e de licitações, os quais quase sempre deixam de ser aplicados pela dificuldade na produção de provas capazes de confirmar o malfeito.
Com o advento da nova lei, a responsabilidade da pessoa jurídica passará a ser objetiva. Vale dizer, portanto, que a empresa poderá passar a responder independente da comprovação de dolo ou culpa, ainda que o ato lesivo tenha sido praticado sem seu conhecimento por um terceiro que represente seus interesses perante uma autoridade pública. Ou seja, a responsabilidade estará atrelada ao fato de a empresa ter se beneficiado, direta ou indiretamente, de um ato lesivo assim definido pela lei.
Na esteira das leis estrangeiras FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) e UK Bribery Act, bem como para atender às pressões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - que há tempos vem cobrando uma postura mais proativa do Brasil no combate à corrupção -, as sanções previstas pela legislação brasileira são pesadas e preveem, por exemplo, multa administrativa de até 20% do faturamento bruto da empresa e penas na esfera civil que farão, por exemplo, com que a mesma seja proibida de receber incentivos e investimentos públicos ou, pior, tenha a sua dissolução compulsória decretada por um magistrado.
Como vimos nas últimas semanas no escândalo envolvendo o metrô de São Paulo, o pedido judicial de dissolução poderá ser usado indiscriminadamente como forma de persuasão para que as empresas aceitem acordos financeiros milionários propostos pelo Ministério Público.
A Lei 12.846/2013 é autônoma e autoaplicável, devendo ser regulamentada apenas no que se refere às condicionantes que serão levadas em consideração pelas autoridades competentes quando da sua atuação. A Controladoria Geral da União (CGU) está na iminência de publicar um normativo que, dentre outros temas, deve endereçar as dúvidas sobre aquilo que está sendo chamado de "Programa Estruturado", algo que em outros países é conhecido como Programa de Compliance que, em suma, é composto por um conjunto de mecanismos de prevenção e procedimentos internos de integridade, tais como políticas escritas, treinamentos, auditorias e canais de comunicação confidenciais que incentivam a denúncia de irregularidades.
O mais interessante é que o legislador optou por considerar tais iniciativas como atenuantes ou agravantes para a dosimetria das sanções, isto é, se a empresa demonstrar que implementou seu programa de boa-fé e, o mais importante, envida todos os esforços para torná-lo efetivo, as penas poderão ser fixadas em patamares menos agressivos. Caso contrário, as consequências poderão ser muito negativas.
Do ponto de vista da responsabilidade civil, está claro que caberá ao Ministério Público investigar e ajuizar a competente Ação Civil Pública. No entanto, o grande gargalo da lei está na definição de quem será a autoridade competente por aplicá-la na esfera administrativa. A lei confere esta atribuição à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.
Ao mesmo tempo em que a escolha feita pelo legislador por um poder administrativo sancionador descentralizado poderá dar maior celeridade e efetividade à aplicação de multas significativas para empresas que insistem em adotar práticas espúrias em seus negócios, a inexistência de um único órgão administrativo responsável pela aplicação da lei (como é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade - no âmbito concorrencial) tende a gerar uma forte insegurança jurídica que, como se sabe, é uma das grandes causas da judicialização do processo administrativo.
Antes de descobrirmos se as autoridades que aplicarão a lei na esfera administrativa o farão de maneira adequada - o que evitaria mais uma enxurrada de ações que sufocarão ainda mais o nosso já combalido Poder Judiciário - duas perguntas deverão ser respondidas, sendo que a primeira dá o tom à segunda.
Quais serão os mecanismos de integridade escolhidos pela CGU? Uma vez definidos, será que as empresas estarão preparadas para utilizá-los com sucesso para ajudar a combater com efetividade a corrupção que assola o nosso país?
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