O fim, no caso, é o do ciclo de alta dos juros; o BC faz de conta que o problema da inflação não é com ele
Não ousaria dizer que o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) é uma leitura agradável, embora supere de longe algumas das respostas proferidas durante a entrevista que se seguiu à sua divulgação. Permanece, contudo, informação essencial a quem, como eu, ainda nutre a ilusão de tentar entender os rumos da política monetária no Brasil.
Dois aspectos saltam aos olhos. O primeiro, claro, é o conjunto de previsões acerca do comportamento da inflação até o fim de 2015.
Em ambos os cenários projetados pelo Banco Central, um sob a suposição de manutenção da taxa de juros em 10% ao ano e outro presumindo ainda uma rodada de aumento para 10,25% ao ano, a inflação no final de 2015 baixaria a 5,4% e 5,3%, respectivamente, permanecendo, portanto, bastante acima da meta oficial, que --como o Banco Central deveria saber-- se encontra fixada em 4,5% desde o longínquo ano de 2005.
A serem confirmadas tais previsões, em geral muito otimistas, estabeleceríamos novo (e triste) recorde: seis anos com inflação superior à meta.
E pensar que ainda existem economistas que sugerem, como grande inovação na forma de condução da política monetária, o "alargamento" do prazo de convergência da inflação para dois (!) anos.
Diante desses números, um Banco Central realmente comprome- tido com a convergência da infla- ção à meta não teria alternativa que não fosse a sinalização de aperto monetário adicional.
No entanto --e é esse o segundo aspecto que mencionava ser importante no relatório--, a sinalização do Copom (Comitê de Política Monetária) é que o fim está próximo, no caso o fim do ciclo de aumento de taxas de juros, iniciado em abril deste ano.
Posto de outra forma, mesmo dispondo de tempo suficiente para lidar com o problema inflacionário (em vista das defasagens naturais de política monetária), o BC faz de conta que não se trata de responsabilidade sua e deixa o controle da inflação ao deus-dará.
Tempos atrás, já sob a atual diretoria, ainda se dava ao trabalho de inventar uma história de como o ambiente global seria desinflacionário e tirar da manga um "modelo de equilíbrio geral estocástico" que daria lustro teórico a seu pouco caso com a evolução dos preços.
Era tudo conversa fiada, como ficou claro pelo comportamento da inflação desde então. Mas, pelo menos, havia alguma preocupa- ção com as aparências e, se a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude, a meta ainda poderia se sentir lisonjeada, embora não atingida.
Hoje, pelo contrário, não há sequer tal preocupação. O que se depreende das duas informações presentes no RTI é que, apesar das juras sobre "o Banco Central estar de olho na inflação", a ação concreta da autoridade monetária não deixa dúvida acerca da falta de comprometimento com a meta. A atitude do BC fala tão alto que não nos deixa ouvir suas palavras.
Não é por outro motivo que as expectativas de inflação se recusam a convergir para a meta. Há quem interprete esse fenômeno como evidência da persistência de mecanismos de indexação na formação de expectativas, isto é, da inflação passada influenciando a futura.
Perdem, porém, de vista que, em face do relaxamento do BC no campo inflacionário, é precisamente esse tipo de comportamento que deve ser o esperado.
Não há como escapar da conclusão de que os últimos anos marcaram um retrocesso extraordinário na condução da política monetária.
Obviamente isso se insere na deterioração da política econômica como um todo, mas me toca mais de perto por ter tido a oportunidade de participar, ainda que de forma muito modesta, da construção de um regime muito distinto daquele que hoje vigora.
Razões pessoais à parte, é lamentável ver perdido o esforço de muita gente boa, ainda mais com consequências tristes para o país.
Se acreditasse em Papai Noel, pediria ao bom velhinho que iluminasse o Copom, mas deixo isso para os que creem nas previsões do BC.
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