FOLHA DE SP - 25/12
Em menos de um ano de pontificado, ações midiáticas de Francisco vão retirando da igreja o lastro inquisitorial legado por seu antecessor
É mais fácil falar em mudanças do que realizá-las. O mais nítido exemplo desse truísmo terá sido, nos últimos anos, o caso do presidente americano Barack Obama.
Conseguiu, por certo, implementar alguma coisa de suas propostas de campanha. Mas não há dúvida da distância que se verificou entre a ideia de um governante livre dos vícios e das pressões do establishment de Washington e a realidade de um chefe do Executivo exposto a todo tipo de reveses e pressões.
Aos que esperavam de Obama reformas radicais pode-se lembrar que não se muda o rumo de um transatlântico com a mesma agilidade com que se desloca uma lancha ou um jet ski; o tamanho e a complexidade do Estado americano são fatores capazes de inibir a manobra feérica, o salto voluntarista, a "audácia da esperança" mencionada na campanha eleitoral.
Há uma personalidade, entretanto, que pode servir, em certa medida, como contraexemplo. Em menos de um ano, o papa Francisco parece empreender, com leveza, uma guinada na lenta e vetusta barca de são Pedro.
Verdade que, diferentemente de qualquer governo democrático, no Vaticano a vontade de um só homem tem poder definitivo.
Seria ignorar a resistência das instituições, contudo, minimizar o quanto de determinação e desassombro terão sido necessários a Jorge Bergoglio para desconsiderar os presumíveis apelos à prudência e à compostura que uma chusma de conselheiros lhe sussurrou entre os labirintos de mármore e a escuridão das sacristias.
Tudo, pode-se dizer, é marketing, nisso que talvez merecesse, mais que qualquer ação de Obama, o rótulo de "audácia da esperança"; da fé e da caridade também.
Atitudes tomadas com um olho na repercussão midiática marcaram o atual pontificado. Pagando ele mesmo a conta do hotel, ou realizando visitas noturnas, supostamente incógnito, às imediações desvalidas do Vaticano, Francisco administra com energia sua imagem à frente de uma Igreja Católica presa a preconceitos incompatíveis com o mundo moderno.
Fez muito, no entanto, para retirar dessa armadura doutrinária o aspecto punitivo e obsessional (nas questões relativas ao sexo) que limitou o alcance e a pertinência das manifestações de seu antecessor, Joseph Ratzinger.
Pouco resta à igreja, atualmente, além do poder simbólico --ou da estratégia de relações públicas, em terminologia corporativa.
Se a mensagem do papa for, na medida do possível, a da tolerância e da caridade exercidas no cotidiano, e não somente numa data específica como a de hoje, o senso publicitário do papa Francisco traz em si a alegria e a abertura de coração que correspondem, mesmo entre os que não seguem a fé cristã, ao espírito do Natal.
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