FOLHA DE SP - 25/12
Pelo calendário chinês, o ciclo atual, que se encerra somente no final de janeiro, corresponde ao ano da serpente, mas 2013, pode-se argumentar com facilidade, foi o ano do cão --ou do beagle, para ser ainda mais preciso.
Não faltarão justificativas para o simpático animal figurar nas retrospectivas deste ano. Com razão, poderá inclusive ser alçado à condição de símbolo da irracionalidade que contaminou as manifestações depois de junho.
Sim, há os black blocs. Mas estes, além de nada "fofos", assumem de antemão o vandalismo como bandeira. São racionais em seu desvario; mais previsíveis, pois. Menos mal que sua lógica tenha sido rechaçada por 95% dos paulistanos, segundo o Datafolha.
Deu-se algo bem diverso no episódio em que 178 beagles foram retirados do Instituto Royal, em São Roque (SP). Alegados maus-tratos às cobaias bastaram para que ativistas variados se julgassem no direito de invadir o biotério, depredar o local e prejudicar anos de pesquisas científicas.
A ação foi aprovada por 56% dos paulistanos, a despeito dos sinais de surto coletivo e muito embora não existissem evidências de que o laboratório agia ao arrepio da lei.
É curioso que não se tenha notícia de mobilização semelhante em torno de violação bem mais ostensiva: o uso de cobaias humanas em pesquisa sobre malária.
O caso é antigo, mas só agora a Justiça Federal decidiu, em segunda instância, dar ganho de causa a moradores de comunidades ribeirinhas do Amapá. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), pelo menos dez deles foram usados como isca para mosquitos transmissores da malária, em 2003 e 2004.
Em português claro: cada participante precisava levar picadas dos insetos.
Só que de cem insetos; mantidos em copos, eram conduzidos até os braços e as pernas dos ribeirinhos. O procedimento ocorria durante nove noites, duas vezes por ano, e rendia até R$ 20 por jornada.
Consta que, para auxiliar a pesquisa, o poder público parou de borrifar inseticida nas comunidades, a fim de não espantar os mosquitos.
De acordo com a ação judicial, os participantes tiveram malária --alguns chegaram a ficar incapacitados devido a complicações da doença-- e espalharam a enfermidade nas suas regiões.
Difícil discordar do MPF quando afirma que os ribeirinhos foram submetidos a situação subumana; ou do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que viu exploração da "hipossuficiência financeira e cultural daquelas pessoas".
Mais difícil, contudo, é entender como esse tipo de situação pode ocorrer num país onde as pessoas encontram tempo e disposição para protestar até em nome dos beagles.
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