O Estado de S.Paulo - 28/12
Qualquer consumidor conhece as práticas de promoções falsas do comércio, os tais descontos correspondentes "à metade do dobro do preço", feitos para pegar trouxas.
Nos espetáculos culturais e esportivos acontece o inverso disso. A maioria das pessoas é obrigada a pagar mais pela ampla distribuição de meias-entradas.
A presidente Dilma sancionou na quinta-feira, 26, lei que assegura meia entrada em espetáculos, cinemas, e eventos esportivos para idosos, estudantes e jovens comprovadamente carentes entre 15 e 29 anos.
Os cinemas, casas de espetáculos e estádios de futebol estão obrigados no Brasil a deixar disponíveis 40% dos ingressos para os beneficiários com meia entrada. Nas grandes cidades, pessoas idosas podem circular de graça pelo metrô, pelos trens e pelos ônibus.
Como já foi comentado por esta Coluna em 13 de julho deste ano, não há nada de especialmente errado nessas práticas, desde que empregadas com a devida moderação.
Os descontos a estudantes cumprem, também, a função de criar hábitos de desfrute de cultura e de esportes e, desse ponto de vista, interessam também às empresas de espetáculos e aos clubes esportivos. Em outros países também há descontos de tarifas para idosos em museus e certos eventos culturais. Mas aparentemente, o Brasil é, de longe, o campeão da modalidade.
A distorção começa e se amplia na medida em que se dissemina na sociedade a ideia de que para tudo ou quase tudo podem ser obtidas vantagens ou condições privilegiadas. Esse estado de espírito, derivado de uma concepção patrimonialista de Estado (o governo garante tudo), descamba para deformações em inúmeras outras situações. É o caso dos sistemas previdenciários (INSS e esquemas para servidores) que antecipam aposentadorias ou concedem grande número de pensões vitalícias. Também acontece quando o empresário julga sempre ter direito a subsídios e a reservas de mercado, ou quando o político acha normal usar aviões ou helicópteros pagos pelo contribuinte para levar a família à praia. Mais recentemente, verificou-se que o rombo do seguro-desemprego, num ano de quase pleno emprego, alcançou o recorde de R$ 47 bilhões (no período de 12 meses) porque a legislação facilita.
Esses proveitos, legítimos ou não, criam novas distorções. Os subsídios não se limitam a produzir efeitos apenas para os diretamente beneficiados por eles. Quase sempre se desdobram em subsídios cruzados pouco transparentes ou, então, geram deformações no sistema de preços relativos e condições de competição desleal entre setores.
Como a aritmética é inexorável, alguém tem de pagar por essas bondades. Normalmente sobra para aqueles que não conseguem se livrar da fatura. E quando fica difícil descarregar a conta sobre determinados segmentos da população, as raposas do sistema sempre acabam por aumentar impostos.
A autorização para que tanta gente rode de graça pelas cidades é uma das razões pelas quais as tarifas de condução urbana são tão altas. Como a porcentagem de estudantes e de idosos deve crescer no Brasil nos próximos anos, será inevitável, também, que a carga para os que pagam (ou deixam de ter receita integral) tenda a aumentar.
Os políticos não gostam de mexer em vespeiros eleitorais. Por isso, também não tomam a iniciativa para acabar ou, pelo menos, limitar a distribuição de tantas boquinhas.
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