O GLOBO - 26/11
Lojas, restaurantes e hotéis, até em Santa Catarina, rejeitam políticos paraguaios delinquentes. Igrejas fazem homilias contra corrupção e sindicatos organizam greve geral
A morena de 29 anos, traços indígenas, olhos castanhos e cabelos clareados, encantou o senador. Levou-a para casa, para cuidar dos filhos.
Semanas atrás, descobriu-se que Gabriela Quintana Venialgo recebia um salário mensal equivalente a R$ 8.200: metade saía da folha de pagamentos do Legislativo; outra metade vinha do caixa de Itaipu Binacional, cujo controle é partilhado entre as empresas estatais de energia do Brasil (Eletrobras) e do Paraguai (Andes).
Gabriela agora é uma mulher famosa. Se tornou a “babá de ouro” do senador paraguaio Víctor Bogado, que também inscreveu uma voluptuosa ex-miss na folha salarial do Congresso.
Parecia ser apenas outro escândalo num trecho da América do Sul onde a corrupção ergueu um país de dois andares. O primeiro é reconhecido pela cartografia internacional e identifica o Paraguai com 406 mil quilômetros quadrados de extensão — área equivalente ao Mato Grosso do Sul. O segundo andar é de papel pintado, plasmado nas escrituras de propriedade guardadas pelo governo. Tem 122 mil quilômetros quadrados. Esses dois Paraguais somam um território de 528 mil quilômetros quadrados — quase o tamanho de Minas Gerais. Na diferença entre o real e o de papel, cabem juntos os estados do Rio, Espírito Santo, Sergipe e mais uma área igual a duas Brasílias.
O Paraguai tem peculiaridades. Na economia, por exemplo, o contrabando é responsável por boa fatia do Produto Interno Bruto: para cada dólar registrado como receita de exportações realizadas ao Brasil, existem outros três dólares obtidos na venda ilegal de mercadorias ao mercado brasileiro, segundo dados oficiais.
Parecia ser apenas mais uma drenagem política do caixa de Itaipu Binacional. A construção dessa usina hidrelétrica, com represa da altura de um edifício de 65 andares, produziu fortunas e núcleos de poder tanto no Brasil quanto no Paraguai. Elas surgiram entre 1975 e 1982 na poeira de despesas públicas colossais, como a compra de um volume de concreto suficiente para se construir 210 estádios do porte do Maracanã e de quantidade de ferro bastante para montagem de 380 torres Eiffel. Por anos seguidos a rarefeita contabilidade de Itaipu registrou a compra de caminhão com 30 toneladas de cimento a cada quinze minutos, 24 horas por dia.
Há dez dias, no entanto, o Paraguai vive uma convulsão política por causa do senador Bogado e sua “babá de ouro”. O Ministério Público resolveu processá-lo, mas 22 dos 45 senadores impediram a retirada da imunidade parlamentar. Desde então, assiste-se a uma avalanche de protestos contra a corrupção. Entidades empresariais aderiram. Lojas, restaurantes e empresas médicas publicam anúncios pedindo a renúncia dos 23 que confundem imunidade com impunidade. Em Santa Catarina, hotéis onde políticos paraguaios veraneiam já expõem cartazes: “Os 23 não são bem-vindos.”
O escrache avançou no fim de semana. Restaurantes em Assunção se recusaram a atender as senadoras Blanca Fonseca e Zulma Gómez. Óscar Daher foi expulso de uma pizzaria aos gritos de “fora ladrão”. Outros foram impedidos de entrar em shoppings. Nas igrejas houve homilias e sindicatos começaram a organizar uma greve geral.
Há uma novidade nas duas margens do Rio Paraná: os donos do poder já não podem delinquir com impunidade absoluta.
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