O Estado de S.Paulo - 16/11
Há pouco mais de três anos, no caderno Aliás, reduzi o Twitter a um espaço avaro de vocábulos e congestionado de adolescentes de miolo mole. Ampliando o alcance do meu reducionismo, desdenhei todas as redes sociais da internet como um domínio de desocupados que fizeram da evasão da privacidade uma filosofia de vida. Hum, hum.
O contingente de idiotas, ociosos, narcisistas e tietes ainda é grande, e sem dúvida majoritário, no Twitter. Embora uma pesquisa tenha revelado que a conversa fiada domina 78% dos twits (ou tuítes) e em apenas 13% deles alguma troca de informações relevantes costuma ocorrer, seria leviano negar a existência de vida inteligente e atividades úteis no Twitter e no Facebook. Recentemente, o escritor Jonathan Franzen incorreu nesse equívoco, e levou bala de tudo quanto é lado, até mesmo de quem pensa que hashtag (#) é a versão on-line do Parlamento alemão.
Mesmo no auge do meu ceticismo em relação às mídias sociais, reconheci de público que o Twitter, por sua mobilidade, instantaneidade, intimidade e capilaridade, podia ser uma ferramenta preciosa para jornalistas, cientistas, criadores em geral ou simples usuários com boas ideias para trocar e denúncias a fazer. Confirmei isso na prática, ao aderir ao Twitter cinco meses atrás, por insistência de Lúcia Guimarães. Bem administrado, argumentou ela, é o melhor feed de notícias e informação da internet, jogo rápido e rasteiro, sem os compromissos e as chateações do Facebook.
No meu modesto entender, o Twitter é a melhor ágora da internet, um passatempo intelectualmente estimulante, divertido, catártico - e rigorosamente democrático. Uma comunidade civilizada. Conheci um bocado de pessoas inteligentes e engraçadas; outras mais, certamente, estão a caminho. Só vicia e nos rouba tempo se afrouxarmos o controle sobre nossos impulsos. Ninguém nos faz cobranças do tipo "entrou de férias?", "vagabundando, hein?".
O Twitter emplacou firme no mundo literário, sem distinção de gênero e status. Nenhuma surpresa: os escritores adoram e vivem de escrever, e o Twitter, embora também aceite fotos e vídeos, opera basicamente com palavras, poucas, é verdade, mas não deixa de ser um desafio excitante concentrar uma ou mais ideias em, no máximo, 140 caracteres. Não dá, evidente, para fazer literatura, só tuiteratura, poesia concreta, haicais, aforismos, ou contos miniaturistas, como o clássico do guatemalteco Augusto Monterroso: "Quando ele acordou, o dinossauro ainda estava lá", de apenas 48 caracteres. Fácil entender por que os poetas ganharam sobrevida no mais micro dos microblogs.
É um parque de diversões para escritores atrás de notícias sobre livros, inspiração, distração e folguedos linguísticos, e uma plataforma inestimável para autores inéditos ou iniciantes, nos quais a indústria de livros não tem mais condições de investir. Alguns tuiteratos são hábeis no manejo da ferramenta, outros menos, mas persistentes. No site The Millions, C. Max Magee fez um levantamento de escritores que tuítam, tuítam muito (Margaret E. Atwood, por exemplo) e pouco (Jennifer Egan, apenas oito vezes em três anos). Não satisfeita, pesquisou-lhes a carreira tuiterária, revelando quando e como cada um deles debutou no negócio.
Vários dispensaram saudações, introitos e justificativas do tipo "aqui estou, fulano, por sua insistência", e deram logo o recado: um comentários sobre um fato do dia ou algo mais pessoal (os livros que estavam escrevendo, a festa da véspera, anúncio de algum lançamento ou palestra). Neil Gaiman agradeceu um livro de culinária que lhe fora presenteado, Joyce Carol Oates reproduziu uma tirada do cineasta Oliver Stone, na entrega de um prêmio literário: "Todo escritor sério é um rebelde".
Magee não teve tempo de incluir uma notável adesão mais recente, Philip Roth, por certo a mais ilustre dos últimos tempos. Roth estreou no último dia 6. Com apenas 23 caracteres: "On Twitter. First time." (No Twitter. Primeira vez). E ficou nisso. Um alô simpático, como todos deveriam ser. Nesse quesito, ainda prefiro o do nosso Michel Laub, em 28 de junho de 2010: "Oi".
Não obstante, em sete dias Roth atraiu 440 seguidores. E está seguindo 311 tuiteiros, entre escritores, editores, jornalistas culturais, gente da New Yorker, Salon, The New Republic e publicações literárias. Até Mia Farrow ele está seguindo, espero que sem segundas intenções - remember Claire Bloom.
Não leva jeito de ser um ghost twitterer, como os de tantos autores alheios à cultura digital, como Thomas Pynchon, Umberto Eco, Stephen King, John Grisham (também temos um punhado deles: Ferreira Gullar, Ariano Suassuna, Adélia Prado e Hilda Hilst), ou irremediavelmente impedidos de navegar na internet, como Proust, Oscar Wilde, Dostoievski, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Kafka, Melville, Virginia Woolf, Nabokov, Millôr.
Rubem Fonseca, que virou tuiteiro em maio deste ano, não se identifica como escritor, mas dendrícola (cultivador de árvore). Desde a primeira postagem, vem-se limitando a citar trechos de seus livros, na tradução para o espanhol. Certamente por isso, tem apenas 39 seguidores.
A identificação no Twitter é por conta do freguês. João Ubaldo Ribeiro preferiu ser prosaico, apresentando-se como advogado, escritor, jornalista, roteirista e professor. Seu primeiro tuíte decolou do aeroporto de Frankfurt, em maio do ano passado; seguiram-se mais 56; em dois meses o entusiasmo acabou.
A escolha do handle (o endereço pessoal do Twitter) pode ser complicada se você tiver um nome corriqueiro, como o meu e o de Bernardo Carvalho, para só citar dois exemplos. Não achei o autor de Nove Noites no Twitter, a menos que ele por lá circule oculto por um pseudônimo ao estilo William Gibson, que se assina @GreatDismal. Para evitar um número, quiçá de dois dígitos, acoplado ao meu nome, acabei optando por uma solução romana: @SergiusAugustus. Virei um imperador digital. O jornalista e escritor Sérgio Rodrigues contornou o problema juntando seu prenome ao nome do blog que tem na Abril, Todoprosa, e virou um irresistível jeu de mots.
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