FOLHA DE SP - 16/11
Misturar iniciativas públicas e incentivos ao setor privado é receita da China para estimular desenvolvimento acelerado da economia
Envolta em segredos e sem participação da imprensa, a terceira plenária do 18° Comitê Central do Partido Comunista da China terminou com a oficialização do papel decisivo do mercado na economia.
Trata-se de mais um passo em direção a um sistema econômico peculiar, reforçando importantes reformas apresentadas décadas atrás nesse mesmo tipo de encontro.
Em 1978, a terceira plenária deu início ao programa de abertura da China, pelo qual o país abandonou o planejamento central de inspiração soviética. No modelo então adotado, empresas estatais monopolistas passaram a conviver com nichos de economia de mercado, investimentos estrangeiros foram atraídos e criaram-se zonas econômicas especiais.
Em 1993, a China foi declarada "economia socialista de mercado". Reestruturou-se o setor público, privatizações foram postas em marcha e direitos de propriedade privada passaram a ser definidos.
Desde então o país tem crescido à elevada taxa média de 10% ao ano e é hoje a segunda maior economia do planeta; nas últimas duas décadas, mais de 400 milhões de chineses deixaram a pobreza.
As declarações da plenária deste ano, embora vagas, contemplam metas a serem atingidas até 2020.
Segundo a agência estatal Xinhua, entre as prioridades está alcançar um sistema de mercado moderno, e algumas medidas darão mais espaço à iniciativa privada, como a autorização para que investidores adquiram até 15% de participação em estatais, a fim de capitalizá-las. Além disso, serviços públicos poderão receber investimentos de particulares.
Soube-se ontem, além disso, que o controle de natalidade (a política do filho único) será flexibilizado, decerto por causa do acelerado envelhecimento populacional.
O PC chinês, é claro, continuará comandando a economia com mão de ferro. A despeito disso, a China tem, cada vez mais, combinado instrumentos públicos e incentivos privados na condução de sua estratégia de desenvolvimento.
O tempo dirá quais os limites de um modelo algo esquizofrênico, em que uma próspera economia de mercado emerge sob a tutela de uma ditadura de partido único. A experiência histórica mostra que o próprio desenvolvimento capitalista cedo ou tarde gera pressões democratizantes irresistíveis.
Nem por isso deixa de ser admirável o pragmatismo com que os dirigentes do país vêm conduzindo, até aqui, a transição.
No Brasil, discussões sobre estatização e privatização ainda ocorrem em uma atmosfera ultrapassada, como se as políticas fossem necessariamente antagônicas e uma representasse o ideário da esquerda, e a outra correspondesse à agenda liberal da direita.
Essa dicotomia ideologizada é estéril. O país teria muito a ganhar se fosse incorporada ao debate uma dose de pragmatismo na defesa dos melhores meios para alcançar os fins perseguidos.
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