O GLOBO - 16/11
Candidata socialista quer, no segundo mandato, aumentar carga tributária e reformar uma Constituição ainda de Pinochet, mas tem de preservar as conquistas
A América do Sul terá mais uma mulher na presidência da República em março, mês de posse do chefe do Executivo a ser eleito amanhã, no Chile. A franca favorita e possível ganhadora no primeiro turno é a médica socialista Michele Bachelet, de 62 anos, que se tornou a primeira mulher a presidir o Chile, no período de 2006 a 2010. Sua principal rival é a candidata do atual governo, a direitista Evelyn Matthei, bem atrás nas pesquisas. Há outros sete candidatos, sem chances. O pleito também renovará a Câmara dos Deputados e parte do Senado. Há temor de uma elevada abstenção, pois é a primeira eleição depois da adoção do voto facultativo, no ano passado.
O Chile construiu uma história de sucesso na delicada transição da feroz ditadura militar de Augusto Pinochet para a democracia, que vem sendo aperfeiçoada desde a eleição de Patricio Aylwin, em 1989. Mas as eleições de amanhã carregam, no embate Bachelet-Matthei, um reflexo da carga dramática dos últimos 40 anos no país. As duas candidatas moraram na mesma época na base aérea de Cerro Moreno — seus pais eram oficiais da Aeronáutica. Com o golpe de Pinochet, em 1973, Alberto Bachelet, que servia ao governo Allende, foi preso, acusado de traição à pátria e morreu sob tortura na Academia de Guerra Aérea. Na época, dirigida pelo coronel Fernando Matthei, pai de Evelyn. Trapaças do destino.
O Chile ostenta a maior renda per capita e o maior nível de abertura econômica da América Latina, e uma estabilidade que atrai investimentos significativos. Tem a inflação sob controle, a dívida pública idem, “grau de investimento”, bons indicadores em geral. Está à frente do Brasil em muitos aspectos. A OCDE calcula o crescimento do PIB do país este ano em 4,2% e, para 2014, em 4,5%. Mas ainda apresenta elevado grau de desigualdade social e ficou apenas em 44º lugar entre 65 países avaliados pela OCDE em qualidade de ensino.
O programa de governo de Bachelet tem como principal meta a reforma da educação, motivo de grandes manifestações estudantis de protesto em seu primeiro mandato, que se repetiram no governo do atual presidente, Sebastián Piñera. Para isto, ela propõe uma reforma tributária com elevação de cinco pontos percentuais nas alíquotas pagas pelas empresas. A candidata sabe que precisará de sólida maioria no Congresso para aprovar as medidas, inclusive uma pretendida reforma da Constituição, ainda herança da era Pinochet.
O provável novo mandato de Bachelet, mais à esquerda, não deixa de ser um teste para a consolidação da democracia chilena. E seu programa de governo, com elevação da carga tributária, testa também o bem-sucedido modelo econômico. Por isso, precisará ter o cuidado necessário para não ameaçar as imensas conquistas do país nos últimos anos.
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