O GLOBO - 02/11
Teve também Gisele Bündchen, cujo desfile parece ter compensado os maus momentos da cidade. Dois anos sem pisar as passarelas, a sua aparição foi um acontecimento
Madrugada de uma prosaica terça-feira, e a Rua Augusta está engarrafada, não sei quantos quilômetros, mas parada (em SP a extensão das filas de carros parados é medida assim). Não são pessoas que estão indo cedo para o trabalho, e sim que ainda não foram para casa. O mesmo se pode dizer de restaurantes e bares. Para comer uns pasteis e uns bolinhos de bacalhau em um boteco, foi preciso guardar lugar desde cedo: alguns amigos se sentavam, eram rendidos por outros, até que chegássemos lá pela meia-noite. Há uma semana estou no júri de documentários da 37ª Mostra Internacional de Cinema e já posso revelar que o grande prêmio dos jurados e do púbico, uma coincidência rara, foi para o extraordinário filme sul-africano “Plano para a paz”, sobre a conspiração do bem que acabou conseguindo a libertação do líder Nelson Mandela e o fim do apartheid. O personagem central da trama é um enigmático comerciante francês que estava mais interessado em fazer negócio do que política. E mais não conto porque espero que vocês possam ver o filme.
A menção honrosa foi para “Eu vou ser assassinado”, uma impressionante, inacreditável história real político-policial passada na Guatemala, onde a violência urbana rivaliza com a de umas certas cidades que a gente conhece (98% dos 5.800 homicídios cometidos por ano não são elucidados). O filme começa mostrando um vídeo em que um rico e famoso advogado denuncia que será morto, e que o responsável é o presidente Álvaro Colom.
O crime de fato ocorreu em 2009 e o vídeo foi parar no YouTube, quase derrubando Colom. A partir daí, o ritmo e a trama são de um thriller policial. O desfecho é tão inverossímil que parece o de uma obra de ficção.
Enquanto outros eventos artísticos se sucedem, mantendo a cidade em permanente ebulição cultural graças às incessantes ofertas de peças, exposições, shows, filmes, desfiles de moda, a política também ferve. Depois dos últimos protestos violentos, com quebra-quebra, incêndios de ônibus, saques e roubos, o paulistano viu explodir como uma bomba moral o escândalo da gestão Gilberto Kassab, antecessor de Fernando Haddad, ambos aliados de Dilma. Quatro auditores fiscais da prefeitura foram presos acusados de cobrar propinas para liberar grandes empreendimentos imobiliários. Três dos presos ocuparam cargos de confiança na gestão do fundador do PSD. A fraude, segundo cálculos do Ministério Público, desviou nada menos que R$ 500 milhões de impostos não recolhidos. Eu já estava saindo quando surgiu novo capítulo: um dos servidores presos aceitou fazer delação premiada e confirmou todo o esquema criminoso.
Ah, sim, faltou dizer que teve também Gisele Bündchen, cujo desfile parece ter compensado os maus momentos da cidade. Dois anos sem pisar as passarelas, a sua aparição foi um acontecimento. Foram precisos 30 guardas para proteger um corpinho que vale tanto quanto, segundo me dizem, os milhões roubados pela turma do Kassab. São Paulo tem espetáculo para todos os gostos.
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