FOLHA DE SP - 02/11
Imposto o carimbo de escravagista, o produtor se submete a sanções duras, que semeiam o terror
Ninguém, com um mínimo de bom-senso, pode, em pleno século 21, admitir o trabalho escravo, definido pela Convenção 29, da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário, como o executado sob coação ou com qualquer tipo de restrição ao direito de ir e vir.
A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que presido, já se manifestou quanto a isso reiteradas vezes. Não o tolera sob nenhuma hipótese --repito, sob nenhuma hipótese-- e quer punição exemplar a quem o pratica, quer no meio rural, quer no meio urbano. Trata-se de crime contra a humanidade.
Dito isto, examinemos a proposta de emenda constitucional (PEC) que trata da matéria e que será votada na próxima terça-feira pelo Senado. Subscrevo o parecer do relator, senador Romero Jucá, que se baseia no que estabelece a OIT.
Nosso empenho, ao longo do tempo em que essa matéria tramita, foi --e é-- o de exigir clareza em seus termos, para que não se resuma a abstrações e generalidades. Qualquer estudante de direito sabe que uma norma jurídica não pode ser abstrata, adjetiva. Tem que substantivar o que propõe.
Também não podemos cair no polo contrário, ao atribuir a qualquer forma de trabalho a denominação de escravo pelo fato de não corresponder a certas normas trabalhistas, como as da jornada exaustiva e do trabalho degradante. Embora tratem de situações deploráveis e passíveis de punição, elas não podem orientar uma situação que desembocaria em insegurança jurídica.
Sem tais cuidados, o ativismo ideológico seguirá satanizando o produtor rural. Ainda que este responda por 36% do emprego formal do país e por um quarto do PIB (Produto Interno Bruto), continuará alvo de perseguições e invasões.
Ao país interessa uma lei clara e objetiva, que de fato puna os verdadeiros infratores e que não sirva de instrumento de intimidação de pessoas honestas.
Outro instrumento de aferição do trabalho escravo --a norma regulamentar 31, do Ministério do Trabalho-- peca pelo excessivo detalhamento, fugindo claramente ao conceito da OIT.
Com seus 252 artigos, muitos com importantes avanços para a saúde do trabalhador, desce a minúcias --como a dimensão exata dos beliches e a espessura dos colchões dos dormitórios dos empregados--, que expõem o empregador, por mais correto e mais empregos que gere, ao título hediondo de escravagista. Ganhará, por exemplo, esse estigma o empregador em cuja terra o empregado decida dormir numa rede ou almoçar não no refeitório, mas embaixo de uma árvore, como é costume no meio rural.
Imposto o carimbo de escravagista, o produtor se submete a sanções duríssimas, que semeiam o terror e, no limite, levam-no à perda da propriedade.
É preciso que se saiba que 90% dos produtores rurais são de pequeno e médio portes e não têm como resistir a esse tipo de sabotagem, promovido por quem não acredita na livre iniciativa.
Tenho sido alvo do ativismo puro que alimenta ações execráveis dos que buscam atingir a mim e a minha família. Nem por isso, ignoro a existência do mau empregador, que explora o trabalho infantil e o escravo, no campo ou na cidade.
Mas é exatamente esse personagem, bandido e merecedor de todas as penas da lei, que se beneficia desse contágio ideológico de fiscais engajados --que, frise-se, não constituem a maioria, mas a esta se sobrepõem.
A CNA não apoia o trabalho escravo --nem tergiversa em relação a ele--, tanto que treina instrutores para inspecionar periodicamente as fazendas e avaliar as condições de vida dos trabalhadores rurais.
Já propusemos ao Ministério do Trabalho o instrumento da "visita prévia", que tem a finalidade de esclarecer os empregadores sobre as exigências da lei e sobre eventuais medidas corretivas, em prazo estabelecido pelos próprios auditores. Não aceitaram, claro. Preferem punir a educar.
A aprovação da PEC do traba- lho escravo, nos termos propos- tos pelo senador Jucá, ajudará o país a superar essa triste fase, reduzindo injustiças e coibindo os excessos.
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