O Estado de S.Paulo - 02/11
É possível descobrir quem é o parceiro romântico de uma pessoa analisando a rede de relações dela no Facebook? A resposta é sim, e tem mais: é possível prever se esse relacionamento amoroso tem chances de durar.
Jon Kleinberg é um matemático conhecido. Foi ele que desenvolveu parte da teoria usada pelo Google para selecionar quais as páginas que aparecem quando buscamos alguma informação. Também foi ele que demonstrou que quaisquer duas pessoas no planeta estão conectadas por meio de uma cadeia de seis pessoas que se conhecem. Agora, em colaboração com Lars Backstrom, ele está pesquisando o que pode ser descoberto sobre uma pessoa analisando unicamente sua rede de "amigos" no Facebook.
Algumas pessoas possuem dez amigos, outras milhares. Acontece que muitos dos amigos dos nossos amigos são também nossos amigos. Imagine que André seja a pessoa que estamos estudando. Ele é amigo de Sofia, que é amiga da Lili, mas Lili também pode ser amiga de André. Nesse exemplo, Lili está ligada a André diretamente e também indiretamente, via Sofia. O conjunto dessas relações entre André e seus amigos constitui a rede de relações de André no Facebook.
Você pode usar o Facebook para desenhar um esquema da sua rede de relações. Comece desenhando um círculo no centro de uma folha de papel (você) e depois desenhe um círculo para cada um de seus amigos e ligue cada um de seus amigos a você com uma linha. No passo seguinte, você tem de entrar na página de cada um de seus amigos e verificar quais deles são também amigos dessa pessoa, e ligar cada novo par por uma linha no desenho. Depois que tiver feito isso para todos os seus amigos, você terá uma figura de sua rede de relacionamentos. É um trabalhão, mas a rede de relacionamentos de cada uma das pessoas que usam o Facebook está nos computadores da empresa.
Os dois matemáticos selecionaram ao acaso 1,3 milhão de usuários do Facebook entre os que possuíam as seguintes características: tinham de ter entre 50 e 2.000 amigos e declarado quem, entre os seus amigos, era seu parceiro amoroso. Esse grupo de dados cobria 391 milhões de pessoas (nós da rede) e 8,6 bilhões de relações de amizade entre duas pessoas (links da rede). Na média, cada pessoa analisada possuía 291 amigos e 6.652 relações (as dela com seus amigos e as entre os seus amigos). O que foi analisado foi somente a estrutura das relações de cada pessoa, os nomes e qualquer outro dado pessoal, como o número de "posts".
A pergunta que os cientistas queriam responder era a seguinte: Será que analisando somente a rede de amizade de uma pessoa é possível prever quem é a pessoa com que ele (ou ela) tem uma relação amorosa?
A estratégia foi desenvolver possíveis métodos de predição, aplicar cada método de predição a cada um dos usuários (1,3 milhão) e finalmente comparar a predição com a realidade (a pessoa identificada pelo usuário como seu parceiro amoroso).
O primeiro método usado foi o de medir quão embebido na rede estava cada amigo e imaginar que a pessoa mais embebida seria o parceiro amoroso. O grau de "embebimento" entre duas pessoas é dado pelo número de amigos que eles compartilham na rede. Assim, se o centro da rede fosse o André, eles calcularam, para cada amigo do André, quantos amigos em comum com o André ele possuía. E imaginaram que a pessoa com mais amigos em comum era o (a) parceiro (a) romântico do André. Esse método acerta o parceiro correto em 24,7% dos casos. Parece pouco, mas, dado que cada pessoa tem em média 291 amigos, a chance de acertar ao acaso é de 0,3%.
Insatisfeitos, eles bolaram um segundo método, chamado de índice de dispersão. Os cientistas observaram que os amigos de uma pessoa na rede estão segregados em grupos. Por exemplo, meus amigos de universidade estão todos relacionados comigo e entre eles, formando um aglomerado. Outro aglomerado distinto são as pessoas com quem me relaciono no trabalho. Com o passar do tempo, à medida que construo pontes entre meus amigos de escola e do trabalho, esses dois aglomerados aumentam sua ligação.
O que os cientistas imaginaram é que o parceiro amoroso de uma pessoa também teria alguns grupos aglomerados em sua volta, mas que as poucas pontes entre os grupos de um parceiro amoroso e os grupos do outro parceiro seriam as duas pessoas ligadas por um vínculo amoroso.
Com base nisso, eles criaram o conceito de dispersão, que mede essa propriedade (dispersão alta entre um par de pessoas significa que cada uma delas está ligada a grupos distintos, mas esses grupos estão pouco ligados entre si). Vejam esse exemplo: André namora Lygia. Lygia tem em seus relacionamentos suas amigas de faculdade e de infância. André tem seus amigos de faculdade e de infância. A dispersão é alta se os amigos de escola e infância de André e os amigos de infância e de escola de Lygia não possuem muitas ligações entre si.
Usando essa medida de dispersão para prever quem eram os parceiros amorosos de cada pessoa na amostra, o resultado melhora muito. Em 60% dos casos, é possível prever quem é o parceiro amoroso da pessoa investigada. Esse critério também ajuda a prever o sucesso futuro de um relacionamento, o que foi demonstrado analisando as modificações na rede de relacionamentos de uma pessoa ao longo do tempo. Se o grau de dispersão entre um casal não diminui ao longo do tempo, o relacionamento corre perigo.
Esses resultados mostram que, analisando unicamente a estrutura dos relacionamentos de uma pessoa no Facebook, sem olhar o conteúdo dos "posts", é possível prever com alto grau de certeza aspectos da vida íntima dessa pessoa.
George Orwell, no livro 1984, imaginou que o Estado poderia se transformar em um "grande irmão", um ente que conheceria e controlaria todos nossos atos. O que está acontecendo é um fenômeno semelhante. Os dados que oferecemos voluntariamente na internet parecem ser suficientes para que os computadores de diversas empresas se tornem "grandes irmãos", capazes de descobrir quem somos e influenciando nossas opiniões e hábitos de compra. O problema fica mais sério quando o Estado também passa a ter acesso a esses dados.
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