FOLHA DE SP - 02/10
RIO DE JANEIRO - Sebastião Salgado, o grande fotógrafo, rendeu-se à fotografia digital. Teve de. Cansou-se de carregar peso em viagens --principalmente porque os cenários, pessoas e bichos que ele gosta de fotografar ficam em lugares como o Sudão, Sumatra, as ilhas Galápagos, o Círculo Ártico, a África Central e a Papua Ocidental, todos fora do circuito Elizabeth Arden. Para se deslocar de um ponto a outro, costumava carregar uma mala contendo 600 rolos de filme e pesando 28 quilos.
O pior, segundo Salgado, era o aeroporto. Certa vez, aconteceu-lhe de ter de passar pelo raio-X de sete aeroportos em um dia, e só ele sabe o estrago que o raio-X faz a um filme. Hoje, o equivalente a esses 600 rolos cabe num cartão de memória digital que pesa 800 gramas, liberando-o para arrastar as toneladas de equipamento --que, deste, ele não abre mão.
Claro que, em se tratando de Sebastião Salgado, o aproveitamento de seus cliques deve beirar os 100% --em tese, não consegue tirar uma foto ruim. Mas o que dizer das massas que vivem pelo mundo a turismo, todos portando câmeras convencionais, celulares ou iPads, e fotografando sem parar?
Será possível calcular o total de fotos tiradas diariamente por essas pessoas em seus bordejos pelas estranjas? Como não existe mais filme, ficou fácil fotografar --basta apertar um botão. Ao fazer uma revisão, apagam ali mesmo as fotos em que saíram gordas, carecas ou com queixo duplo, e só salvam as "boas".
O que me intriga é: para onde vão as fotos que as pessoas apagam? Elas "morrem", eu sei, mas não podem apenas sumir. Têm de ir para algum lugar, talvez uma galáxia ou dimensão desconhecida. E, se for verdade o que diziam os antigos, que as fotos roubam a alma das pessoas, penso nesses trilhões de alminhas zanzando em HD pelo espaço, e não sei se rio ou me compadeço.
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