quarta-feira, novembro 06, 2013

O fim da trégua - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 06/11

Os mercados indicam que acabou a trégua das últimas semanas em relação ao Brasil. O clima de quase tranquilidade durou pouco. Dólar e juros futuros, dois mercados onde confiança é a principal mercadoria, se moveram fortemente nos últimos dias, e para o lado ruim. A motivação é a mesma: a falta de credibilidade da política fiscal.

Brasília, evidentemente, reage de forma catatônica, negando sistematicamente a existência dos problemas. Na opinião de integrantes do governo, está tudo certo com a política econômica; o problema é o péssimo relacionamento do Palácio do Planalto com empresários e banqueiros, algo que, na visão oficial, pode ser consertado até a eleição de outubro de 2014.

O curioso é que há consciência na cúpula do poder de que, mesmo favorita na eleição presidencial, a presidente Dilma Rousseff precisa reconstruir as pontes com o empresariado. Assessores alegam que, nos últimos meses, Dilma recuperou parte da popularidade perdida e maioria no Congresso, mas segue sem apoio no meio empresarial. "Ganhar a eleição é fácil; o difícil é governar [sem interlocução com o setor privado]", diz um auxiliar da presidente.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preocupado com a situação, e não é de agora. Em abril, instado por grandes empresários, que já reclamavam da falta de credibilidade da política econômica, fez um movimento para convencer Dilma de que ela precisava mexer no time. Os empresários sugeriram o nome de Henrique Meirelles, mas Lula preferiu apenas dizer à presidente que ele não seria um obstáculo à saída de Guido Mantega.

Dilma optou por mudar a política em vez de trocar a equipe. Devolveu as políticas monetária e cambial ao Banco Central, desistindo da "nova matriz macroeconômica", e determinou a Mantega que procurasse formas de melhorar o quadro fiscal.

No fim de maio, mercados no mundo inteiro entraram em período de grande nervosismo graças aos sinais do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, de que começaria a diminuir os estímulos monetários. Em junho, o Brasil passou a ser sacudido por ruidosas manifestações populares. Some-se tudo isso à desconfiança dos agentes econômicos no governo.

De 22 de maio a 21 de agosto, a cotação do dólar saltou de R$ 2,05 para R$ 2,45. O juro futuro, medido pelo swap pré de 360 dias, pulou, no mesmo período, de 8,28% para 10,07% ao ano. Dois fatos ajudaram a acalmar o ambiente depois disso: o Fed postergou o início da retirada dos estímulos e o Banco Central adotou um programa de venda diária de hedge cambial.

O que os números dos últimos dias mostram é que o nervosismo voltou. Em apenas nove dias, o dólar saiu de R$ 2,18 e foi a R$ 2,28 e o juro futuro (swap pré de 360 dias) já está num nível mais alto que o do pior momento da recente turbulência - 10,59% ao ano (ver gráfico).

Uma vez mais, Lula tentou ajudar Dilma. Desta vez, a ideia foi montar uma operação sigilosa para fazer o Senado aprovar projeto que dá autonomia formal ao BC. Lula faria, por vias tortas, o que Tony Blair fez quando assumiu o poder na Inglaterra, em 1997: acalmar os mercados dando independência ao BC.

O plano era aproveitar a tramitação do projeto do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), modificá-lo - na visão de Lula, a proposta do senador, ao prever mandato de seis anos para diretores do BC, era excessivamente conservadora -, aprová-lo e tratar do tema, rejeitado desde sempre pelo PT, pelas esquerdas e também por setores da oposição, como um fato consumado.

Um detalhe importante: a presidente Dilma sabia da operação desde o início. Estava tudo combinado com Lula.

As coisas caminhavam bem até que a informação vazou para a imprensa. Do jeito que saiu, Lula apareceu articulando a independência do BC contra a vontade de Dilma, uma forma de tutelá-la. "Ficou parecendo uma operação do Lula contra a Dilma, quando, na verdade, era uma operação de como recuperar a linha de contato do Palácio do Planalto com o mercado financeiro", explicou um colaborador da presidente. "Politicamente, ficou inviável."

No quesito credibilidade, retornou-se, portanto, à estaca zero. Com um agravante. O BC vem aumentando a taxa de juros desde abril e indicou que ela voltará a dois dígitos no fim deste mês. A situação é desafiadora porque, mesmo já tendo trazido a Selic de 7,25% para 9,5% ao ano, o BC não conseguiu melhorar as expectativas de inflação.

A tendência do BC é parar de elevar a Selic apenas quando as expectativas melhorarem. Estas, por sua vez, não vão melhorar enquanto a taxa de câmbio estiver volátil e desvalorizando. Como a situação fiscal não ajuda, muito pelo contrário, só atrapalha, tudo concorre para a turbulência, o que, num círculo vicioso, obriga o Banco Central a ser mais conservador.

Diante disso, o risco para a presidente Dilma está na conjunção de dois fenômenos: o possível rebaixamento da nota de crédito do Brasil pelas agências de classificação de risco, uma possibilidade que já começou a ser antecipada pelo mercado; e o início, no fim primeiro trimestre de 2014, da redução dos estímulos monetários nos EUA. Pode ser a chegada da tempestade perfeita, com impactos imprevisíveis na popularidade da presidente e em seu favoritismo eleitoral.


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