O Estado de S.Paulo - 06/11
E a família lá em casa, sem arroz nem feijão, como é que fica? - perguntou Paulinho da Viola em Que trabalho é esse?, de 1982.
Um a um, os empresários e os administradores de qualquer patrimônio, se perguntam: "Se não acontecerá nada em 2014, como é que fica 2015?".
Este 2013 já não tem mais jeito, já ficou e já micou. Se prevalecer a atual postura do governo Dilma, de não arregaçar as mangas e de não consertar o que tem de ser consertado na política econômica, porque não pretende criar marola em clima eleitoral, então o ajuste de contas vai pular 2014, também ano economicamente medíocre, e vai aterrissar em 2015, esse sim, um tempo de ranger de dentes. O governo Dilma se comporta como se tivesse sido surpreendido. Nenhum dos figurões de Brasília esperava pela trombada na área fiscal (receitas e despesas públicas), que parece consumada. E reagem como baratas tontas que tivessem levado esguichada de inseticida.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, passou os últimos dias reconhecendo a existência de problemas, mas não teve a coragem de admitir que sua política de desonerações, baseada em pressupostos mal calculados, foi um desastre que provocou um buraco de R$ 50 bilhões nas despesas do governo federal. Mas reagiu atirando sobre a alta rotatividade da mão de obra, fator que está provocando rombo quase equivalente, de R$ 47 bilhões, ou 1% do PIB. Mais surpreendentemente ainda, acha que pode remendar a roupa por meio de negociações com as centrais sindicais.
O secretário do Tesouro, Arno Augustin, não vê desgoverno. Avisa que está tudo muito bem na área fiscal, que as contas de outubro vão fechar no melhor dos mundos e que o resto é desinformação ou intriga de gente mal-intencionada.
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, é feito de duas metades. Uma delas passou meses denunciando as excessivas despesas públicas do governo federal e seu impacto sobre a inflação. A outra desde agosto passou a dizer o contrário e a prometer que o reino dos céus está próximo.
A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, também nega a crise, mas, para não ignorar problemas, defende a criação de uma espécie de sanfona de bandas variáveis que definissem metas fiscais feitas de sobras de arrecadação.
E ainda há os discursos cada vez mais frequentes da presidente Dilma que atribuem tudo o que está errado ao pessimismo dos analistas, alguns dos quais trabalharam a favor do governo até há alguns meses.
Fosse o rombo das finanças públicas o único desarranjo, a saída seria relativamente fácil. Mas há um punhadão deles. É, também, a atividade econômica que cresce pouco; a inflação que não sai de perto dos 6% ao ano; o déficit nas contas externas que toma corpo; os investimentos insatisfatórios; os projetos do governo que não deslancham; a Petrobrás que não dá conta do peso colocado sobre seus ombros...
Mas, se a perspectiva é deixar o acerto para 2015, isso também é fator ruim. Por que investir agora, por que assumir riscos quando não há clareza nem para a próxima curva? Mas, afinal, a família lá em casa, como é que fica?
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