O Estado de S.Paulo - 08/11
Sem respostas adequadas aos que, com base em dados oficiais, apontam para a notória deterioração da política fiscal, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, procurou reduzir o impacto negativo dos péssimos resultados das contas públicas relativos a setembro com o anúncio, às pressas, de que o governo reduzirá os gastos com abono salarial e seguro-desemprego. Desse modo, o ministro tenta transformar uma ação de rigorosa auditoria - que seria corriqueira em um governo preocupado em dar o destino adequado ao dinheiro arrecadado da sociedade - ou casos de natureza policial em uma medida de correção da política fiscal, que até agora o governo Dilma não conseguiu apresentar de maneira convincente.
Esses gastos, de fato, têm crescido de maneira intrigante. Mas, ainda que eles sejam contidos por meio de controle mais rigoroso dos pagamentos, de maiores exigências a respeito do treinamento profissional dos beneficiados e da punição dos responsáveis por fraudes, a política fiscal não será alterada. Ela continuará a gerar superávits primários cada vez mais mirrados e a minar a já abalada confiança dos agentes econômicos internos e externos no governo Dilma.
Em situação normal, os gastos com seguro-desemprego e com abono salarial tendem a seguir trajetória inversa à do nível de emprego. Quando melhora a situação do mercado de trabalho, as despesas com esses benefícios diminuem. É inexplicável, por isso, o aumento rápido dos pagamentos desses benefícios no período em que a taxa de desemprego vem caindo e se mantendo em nível muito baixo.
Entre 2003 e 2012, enquanto as receitas típicas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) - cujos recursos se destinam ao pagamento do abono e do seguro-desemprego e aos programas do BNDES de apoio financeiro ao desenvolvimento - cresceram 79,5%, os pagamentos de seguro-desemprego aumentaram 158%.
Para tentar conter o crescimento dos gastos, o governo passou a exigir dos que se candidataram a receber os benefícios três vezes no período de dez anos a frequência a cursos de formação. Há poucas semanas, a exigência tornou-se mais rigorosa, com sua extensão aos que requisitarem o benefício pela segunda vez em dez anos.
Mas, como não há meios de fiscalizar o cumprimento dessa norma, no ano passado, de 7,7 milhões de trabalhadores que receberam o seguro-desemprego, apenas 46,5 mil se matricularam nos cursos de formação. Em média, 36% dos beneficiados estavam recebendo o benefício pela segunda vez em dez anos e 8,3%, pela terceira vez. Ou seja, se já estivesse sendo aplicada rigorosamente a exigência para quem pediu o benefício pela segunda vez, cerca de 2,8 milhões deveriam ter frequentado os cursos. Mas não há cursos suficientes, não se destinam recursos suficientes para eles nem há fiscais suficientes para verificar o cumprimento da exigência.
Além disso, há fraudes, algumas já detectadas pela polícia. O ministro da Fazenda informou que, em três ações da Polícia Federal realizadas entre novembro do ano passado e setembro deste ano, foi identificado o desvio de R$ 56 milhões.
Há também regras, como a indexação dos benefícios ao salário mínimo, que tem tido aumentos reais expressivos nos últimos anos, que fazem crescer mais os gastos do FAT.
Há, ainda, a rotatividade da mão de obra, mas, até onde se sabe, ela não tem aumentado. As isenções fiscais, de sua parte, reduzem as receitas do FAT.
E há, por fim, a sistemática retenção de receitas do FAT pelo Tesouro, por meio do mecanismo da desvinculação das receitas da União (DRU), como parte do esforço de obtenção do superávit primário.
Feitas as contas, o FAT deve registrar neste ano um déficit de R$ 7,2 bilhões.
O ministro decidiu consultar as centrais sindicais. Como era de esperar, elas nada propuseram, pois não têm como interferir nas receitas e nas despesas do FAT. Mas têm muito a pedir ao governo, que não as tem ouvido com a frequência que elas desejam.
O governo pode ter criado mais um problema para si, sem ter resolvido nenhum dos que dizia querer solucionar.
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