Meu artigo anterior, "Nem um pouquinho", teve um erro: o colunista Rodrigo Constantino entrou no Globo e na Veja. Quem foi para a Folha, com Reinaldo Azevedo, foi Demétrio Magnoli. A observação que fiz sobre as reações indignadas dos mandarins da esquerda foi exata, apenas incompleta. Esqueci de enfatizar que essas reações não se voltavam contra isto ou aquilo que os articulistas tivessem escrito, mas contra a sua simples presença na mídia. Não se tratava de refutar opiniões, mas de cortar cabeças.
Também não disse que os apelos à guilhotina não vieram todos de fora; alguns apareceram nos próprios jornais onde os colunistas estreavam. Nunca, na história da mídia brasileira, se viu pressão coletiva de jornalistas pela expulsão de algum colega socialista ou comunista da redação de qualquer jornal, estação de rádio ou canal de TV.
A solidariedade de classe entre os jornalistas brasileiros é só para os comunistas e seus companheiros de viagem. Até os direitistas correm para protegê-los, como se viu no tempo dos militares. Mas o infeliz liberal ou conservador, pego em flagrante delito de escrever para a grande mídia, não tem perdão. É abandonado até pelos correligionários.
Os jornalistas da direita vêm ganhando algum espaço, mas a esquerda no Brasil está tão acostumada a mandar sozinha na mídia, que se escandaliza e espuma de raiva. Em qualquer país decente, direita e esquerda repartem os meios de difusão. No Brasil, quando a direita salta dos 2% para os 5%, já é o alarma geral, em tons sinistros de quem anuncia um golpe de Estado.
Um dos indignados, o indefectível Paulo Moreira Leite, mente como um vendedor de terrenos submarinos ao dizer: "Quem estava no centro foi para a direita. Quem estava à direita foi para a extrema-direita." Constantino, Azevedo e Magnoli, desde que estrearam como colunistas, não mudaram de convicções em nada. Foram os censores esquerdistas, como o próprio Moreira Leite, que, estreitando cada vez mais a área do direitismo permitido na mídia, passaram a rotular simples liberais de "extremistas de direita". Moreira Leite confunde a régua com o objeto medido.
Mais obsceno é Antonio Prata, da Folha, que, imaginando fazer sátira, escreve: "Como todos sabem, vivemos num totalitarismo de esquerda. A rubra súcia domina o governo, as universidades, a mídia, a cúpula da CBF e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, na Câmara" – uma descrição bem exata e literal do estado de coisas. Tanto que vários leitores levaram a afirmativa a sério e a aplaudiram. O autor teve de avisar que pretendera fazer piada. No meu tempo de ginásio, quem ignorasse que não se satiriza a verdade tiraria zero de redação. Mas, para expulsar os liberais e conservadores da mídia, vale até um colunista se expor ao ridículo.
Voltando ao sr. Moreira Leite, sei que é inútil tentar levar alguém como ele a um debate sério, mas, para dar uma idéia de quanto o uso atual do rótulo de "extrema direita" na mídia é abusivo, notem esta distinção, que toda a ciência política do mundo confirma: a diferença de esquerda e extrema esquerda é de graus e de meios, a de direita e extrema direita é de natureza, de fins e de valores.
O esquerdista torna-se extremista quando quer realizar, por meios revolucionários e violentos, o mesmo que a esquerda moderada busca fazer devagar e pacificamente: a expansão do controle estatal na economia, visando à debilitação e, no fim, à extinção da propriedade privada dos meios de produção. Totalmente diversa é a relação entre direita e extrema direita
Ser de direita, ou liberal, é ser a favor da economia de mercado, das liberdades civis e da democracia constitucional. Se por extrema direita se entende aquilo que designam por tal o vocabulário corrente e a esquerda em especial, isto é, o fascismo e o nazismo, o fato que estou assinalando salta aos olhos de maneira inequívoca: ser de extrema direita não é querer mais economia de mercado, mais liberdades civis, mais democracia constitucional -- é querer acabar com essas três coisas em nome da ordem, da disciplina, da autoridade do Estado, às vezes em nome do anticomunismo, do combate à criminalidade ou de qualquer outro motivo. Não houve um só governo conhecido como de extrema direita que não fizesse exatamente isso.
A conclusão é óbvia: passar da esquerda à extrema esquerda é apenas uma intensificação de grau na busca de fins e valores que permanecem idênticos em essência. Passar da direita à "extrema direita" é mudar de fins e valores, é renegar o que se acreditava e, em nome de alguma urgência real ou fictícia, empunhar a bandeira do que se odiava, se desprezava e se temia. Constantino, Azevedo, Magnoli não fizeram isso. São odiados porque defendem o que sempre defenderam. Por isso o único meio de difamá-los é trocá-los de classificação, alistá-los à força no exército dos seus inimigos, identificá-los com tudo o que abominam e combatem.
Eis por que uma frase como a do sr. Paulo Moreira Leite – "passaram da direita à extrema direita" – é um expediente difamatório, não uma afirmação séria, digna de um intelecto respeitável.
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