GAZETA DO POVO - PR - 19/10
A polêmica dos preços das passagens aéreas durante a Copa é um ótimo pretexto para o país repensar urgentemente a maneira como encara a livre concorrência e a infraestrutura aeroportuária
O jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem, na segunda-feira passada, sobre os preços das passagens aéreas durante a Copa do Mundo, no ano que vem. Na pesquisa feita pelo jornal, ficaria mais caro pegar a ponte aérea Rio-São Paulo em dias de jogos importantes (como a abertura, em São Paulo, e a final, no Maracanã) que viajar para destinos como o Caribe ou os Estados Unidos. A polêmica dos preços é um ótimo pretexto para o país repensar urgentemente a maneira como encara a livre concorrência e a infraestrutura aeroportuária.
Os preços não chegam a ser exatamente surpreendentes – sites especializados em turismo afirmam que, para ocasiões como o réveillon no Rio de Janeiro, os valores podem ser igualmente assustadores. É a lei da oferta e da demanda, argumentam as companhias aéreas: como a procura por voos vai crescer, e muito, durante a Copa – puxada pelos torcedores estrangeiros interessados em acompanhar suas seleções e por brasileiros interessados em ver o time de Felipão, ou qualquer outra partida para a qual consigam ingressos –, é natural que os preços subam, alegam.
No entanto, a distorção maior não está na demanda, e sim na oferta, já que o Brasil vive um duopólio no setor aéreo; a Azul é a única empresa com potencial para tirar uma fatia do mercado de Gol e TAM. Qualquer eventual nova companhia teria de enfrentar uma burocracia interminável e restrições à participação de sócios estrangeiros (o norte-americano David Neeleman, dono da Azul, só conseguiu aplicar no Brasil a experiência obtida na JetBlue porque também tem cidadania brasileira), além de mendigar por alguns slots – como são conhecidas as “vagas” para pousos e decolagens – nos principais aeroportos brasileiros. Não é um jogo em que se entra facilmente.
Justiça seja feita, o Brasil está muito longe de ser o único país com restrições à atividade das empresas aéreas. Praticamente todas as grandes economias proíbem que companhias estrangeiras operem voos domésticos em seu território (a chamada “cabotagem”). Volta e meia o tema surge nas discussões de acordos de céus abertos (segundo os quais as empresas dos países signatários ficam livres para operar quantos voos desejarem entre as nações participantes do acordo), mas sem avanços. E, sem reciprocidade, seria muito difícil abrir o mercado doméstico brasileiro a companhias estrangeiras. Em outros países, no entanto, insumos mais baratos e tributos mais baixos permitem o surgimento das empresas conhecidas como low cost, que também decolam e pousam em aeroportos de menor porte, um pouco mais distantes dos grandes centros urbanos. Hoje, o Brasil não tem nem a política fiscal nem a infraestrutura aeroportuária que permitam o surgimento de alternativas mais baratas de transporte aéreo.
Mas não é por isso que se deve endossar sugestões como a do presidente da Embratur, Flávio Dino, que deseja um “tabelamento” das passagens aéreas. Felizmente, o ministro Moreira Franco, da Aviação Civil, já afirmou que estabelecer um teto para os bilhetes seria desrespeitar a liberdade tarifária, que vigora no país desde 2001. É ilusório achar que um problema causado pelo excesso de intervenção estatal seria resolvido com mais intervenção estatal.
Também segundo os sites especializados em turismo, ainda não é hora de comprar passagens aéreas para a Copa, até porque só em novembro os interessados em ingressos para os jogos saberão se foram contemplados no primeiro sorteio, e a tabela completa será conhecida apenas em dezembro. Além disso, ao jogar os preços nas alturas, as empresas correm o risco de espantar clientes, o que forçaria uma baixa nas tarifas para evitar voos vazios. De qualquer maneira, a Copa vai terminar, mas os brasileiros seguirão voando depois disso. Se a discussão se concentrar apenas na política de preços de passagens para um evento de um mês, perderemos uma chance de incrementar a concorrência no setor e proporcionar a infraestrutura para que a competição entre empresas aéreas beneficie o passageiro – um legado da Copa que vale a pena perseguir.
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