FOLHA DE SP - 19/10
SÃO PAULO - Há problemas na medida provisória que criou o Mais Médicos. O texto aprovado não se limita a permitir que profissionais estrangeiros atuem onde os brasileiros não querem ir, como recomendam a lógica e o bom senso, mas também introduz modificações no sistema de ensino e residência médicos que mereceriam discussão.
O governo está pondo ênfase na atenção básica. Exceto por algumas áreas muito específicas nas quais o recém-formado poderá ir direto para um programa de residência especializado, todas os demais terão como pré-requisito um ou dois anos de treinamento em medicina de família.
Até concordo que o Brasil descuidou da atenção básica --o que é quase um efeito colateral de deixar as pessoas livres para escolher sua profissão e especialidade--, mas desconfio da solução "one-size-fits-all" (tamanho único) trazida pelo Planalto.
Para começar, a medicina da família não é o único gargalo do SUS. Em várias áreas do país, também há carência em especialidades de maior complexidade. Assim, não parece sábio atrasar em um ou dois anos a chegada ao mercado de profissionais jovens (com maior probabilidade de ir para o SUS) só para treiná-los em protocolos que dificilmente utilizarão na maior parte de suas carreiras.
Se o governo quer valorizar a medicina de família, faz mais sentido aumentar a remuneração dos profissionais que nela atuam do que atirar quase todos os recém-formados nessa especialidade para ver se alguns acabam gostando e aderindo.
Alternativamente, dá para interpretar a iniciativa como uma forma barata de fazer com que os jovens médicos desempenhem funções que interessam ao Planalto (a bolsa da residência sai hoje por R$ 2.238 mensais). Nesse caso, porém, estaria havendo uma deturpação do propósito da residência médica. Ela existe para formar melhores profissionais, não para resolver o problema de mão de obra do governo.
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