FOLHA DE SP - 16/10
No planeta do senso comum, é fascinante observar as reações diante de um pensamento diferente
Fernando Lobo, pai do Edu, comandava um talk-show na falecida TV Continental do Rio, na década de 1960, quando um convidado lhe declarou: "Bem, Fernando, não sei se posso responder sua pergunta aqui na TV". E Lobo: "Pode sim, ninguém vê esse programa, mesmo!"
Assim, Fernando Lobo se tornou meu santo padroeiro de qualquer apresentação pública: sou de uma desimportância atroz, de modo que posso falar o que quiser, onde quiser, que amanhã tudo vira papel de embrulhar peixe.
É nesse espírito que tenho frequentado um programa de TV aberta nas manhãs de segunda-feira, como um antropólogo no planeta do senso comum, o viés das audiências matinais. É fascinante observar as reações que causo ao apresentar um pensamento diferente. A seguir, algumas coisas que aprendi lá sobre a natureza humana.
1. A predominância maciça do pensamento "ou isto ou aquilo", a dificuldade de sair do "bandido ou mocinho".
2. A completa absorção do "politicamente correto" como nova versão do senso comum.
3. A dificuldade de pensar estatisticamente ("Ele generaliza tudo"). Passei a fazer um reparo antes de qualquer afirmação: "O que falarei diz respeito à maioria. Estou seguro de que você conhece famílias de 11 filhos homens, mas a maioria é próxima do meio a meio".
Paixão dura uns quatro anos? Revolta na plateia. "Sou apaixonado há quarenta anos!". "Ok, então o sr. é um dos felizardos da MINORIA." Ele não percebe que a paixão se transformou em amor e companheirismo (o mais comum).
4. Forte preconceito contra o preconceito (o politicamente correto incorporado ao senso comum). "O que causa mais medo? Um pitboy branco tatuado ou um negro de terno, com uma pasta?", perguntei. Um músico multitatuado me interpelou dizendo que, em Brasília, um homem de terno lhe meteria mais medo que um tatuado. Não notou que só trocava de preconceito.
Nesse caso, ajudado pela apresentadora, consegui que a maioria aceitasse que há sempre uma primeira impressão e que o problema é se aferrar a ela.
3. A força da frase populista de efeito. Eu mesmo já me utilizei dela quando, numa discussão sobre a felicidade, disse que ela não era um porto a se chegar, mas um jeito de viajar. Fui aplaudido em cena aberta.
Mas a minha "felicidade" durou pouco. Quando afirmei que a fé é o dom para aceitar e se entregar ao ilógico e ao absurdo, como crer que um defunto ressuscitou no terceiro dia, um ator me interpelou: "Isto não é fé, é dogma. Fé eu tenho no milagre da vida, no saber de uma pessoa que se cria e respira no líquido, no ventre de uma mulher".
Foi ovacionado de pé! Confundiu o absurdo (dogma) com sua aceitação (fé).
Mesmo quando disse que, como médico, não precisava de fé para entender o processo de reprodução, e saber que fetos não "respiram no líquido", e sim, que se abastecem de oxigênio através do sangue da mãe, a plateia me ouviu com indiferença, pois estavam encantados com a frase de efeito do ator.
Mas alguém em casa deve ter me ouvido, e eu aprendi um pouco mais sobre a natureza humana, e isso me basta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário