O Estado de S.Paulo - 16/10
Em épocas de crise econômica, como a atual, um belo desempenho do consumo, como o apresentado em agosto, seria comemorável com foguetório e banda de música. Mas, considerado o restante, principalmente o desempenho da produção, é uma grave distorção, que tende a se aprofundar.
Os números do IBGE ontem divulgados mostram que as vendas ao varejo cresceram 0,6% em agosto quando comparadas com as de julho. No entanto, se for avaliado apenas o chamado núcleo do consumo, que não inclui os dados de materiais de construção e de veículos, o avanço do mês foi mais alto, para 0,9%.
O IBGE passou outra informação importante: reviu o avanço de julho (sobre junho) de 1,9% para 2,1%. Ou seja, a base sobre a qual foram feitos os cálculos de agosto ficou ainda mais alta. Assim, em 12 meses, o consumo real (descontada a inflação) está crescendo a passos de 4,4%.
Ainda na segunda-feira, o Grupo Pão de Açúcar anunciou surpreendente resultado em vendas líquidas no terceiro trimestre, de 14,5% acima do resultado do trimestre anterior. Enquanto isso, a Viavarejo, que controla as marcas Pontofrio, Casas Bahia e Novapontocom, acusou aumento ainda maior, no mesmo período, de 17,4%.
Enquanto isso, a produção industrial se arrasta, apenas 4,6% em 12 meses. É como se fosse uma carroça puxada por uma dupla de cavalo e boi. Se já não deu, vai dar problema.
Esse desempenho desigual e destoante tem explicação. O consumo está sendo turbinado por três forças: pelo disparo em ritmo eleitoreiro das despesas públicas; pelo aumento da renda real do trabalhador, em média de 1,7% em 12 meses, estimulado pela situação de pleno emprego, como vêm demonstrando outros números do IBGE; e pelo avanço do crédito à proporção de 16,1% em 12 meses.
Enquanto isso, a indústria, comprimida pelos custos, continua perdendo competitividade. Essa é principal razão pela qual as importações estão crescendo bem mais do que as exportações. É fator que vai empurrando o rombo das contas externas (déficit em conta corrente), que estava em 2,4% do PIB em dezembro, para a altura dos 4% do PIB, ao fim deste ano. Saem hoje os números da Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) que podem ajudar a conferir melhor isso.
Essa distorção tem potencial para produzir outro efeito: inflação de demanda, que acontece quando o consumo corre muito à frente da oferta de bens e serviços, como agora.
Isso já tende a detonar mais uma consequência: deve exigir mais aperto da política monetária (política de juros) do Banco Central. Embora nunca tenha sido admitido formalmente, o projeto do governo era deter o atual processo de alta dos juros (hoje nos 9,50% ao ano) nos 9,75% ao ano, para não atropelar o que até agora foi tabu no governo Dilma, os juros básicos (Selic) de dois dígitos (de 10% ao ano para cima).
No entanto, já que falta colaboração da política fiscal do governo, o Banco Central terá de enfrentar sozinho essa provável estocada da inflação.
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