O ESTADO DE S. PAULO - 30/10
Poderia ser o dia da mentira, mas esse já consta no calendário. Melhor designá-lo como o dia do assombro. Ao lançar em 17 de outubro, com fanfarra, o Plano Nacional de Agroecologia e Agricultura Orgânica, o governo federal mergulha no ridículo e, de quebra, desmoraliza ainda mais o que restou da antiga autointitulada esquerda agrária. É mais uma criativa contribuição brasileira para o anedotário internacional, pois é histriônica a sugestão de a agroecologia ser o caminho tecnológico para assegurar tanto a produção como a sustentabilidade das atividades agropecuárias.
Na exiguidade deste espaço destaco, sobretudo, quatro aspectos. O primeiro é apontar incisivamente que agroecologia e expressões como "práticas agroecológicas", de fato, não existem. Para quem duvidar, fica o repto: aponte um caso concreto, um único que seja. Não se trata de um novo modelo tecnológico e organizativo factível na agricultura. Nem é uma ciência emergente e menos ainda um movimento social. Dessa forma, causa pasmo a pirotecnia operada a partir de algo que é ficcional.
Em alguns poucos países, agroecologia aponta apenas esforços científicos multidisciplinares destinados a ecologizar a agricultura. Mas não é ciência em si mesma.
Certamente a Presidência foi induzida a erro por assessores movidos por um só objetivo: combater a moderna agricultura brasileira e, por conseguinte, confrontar politicamente o capitalismo como ordem social. Mas por que não fazem esse combate à luz do dia, como seria natural numa ordem democrática? É provável que a presidente nem tenha percebido a manipulação de setores radicalizados, descomprometidos com a pobreza rural, o ambiente e a prosperidade do País. São movidos somente por objetivos políticos, mas sem nenhum verniz democrático, preferindo o jogo sujo das sombras.
O plano pontifica sobre algo que é falso e, por isso mesmo, o documento não define o que é agroecologia em nenhum momento. Nem poderia, pois não passa de uma palavra sem conteúdo que pretende englobar os modelos tecnológicos chamados "alternativos" - e seriam alternativos ao eficiente padrão moderno que organiza a agricultura em todo o mundo. Escassamente adotados, esses modelos são muito diferenciados entre si e nenhuma palavra poderá abranger todos eles, sendo logicamente impossível um termo que inclua todas as facetas dos formatos já propostos.
Em síntese, temos um plano oficial ancorado em palavra cujo significado ninguém sabe. E acreditem: até o CNPq já lançou edital, apoiado por cinco ministérios, para fomentar projetos, cursos e outras atividades centrados na misteriosa agroecologia. Mais ainda, recente chamada pública do Ministério do Desenvolvimento Agrário oferece espantosos R$ 98,3 milhões para "ampliar processos de agroecologia existentes". Impossível algo mais absurdo.
Outro aspecto importante é que os militantes que organizaram esse assalto à razão incluíram o termo de contrabando nas costas da "agricultura orgânica", como se fossem parentes próximos. Outra falsidade. A chamada agricultura orgânica ostenta uma longa história, normas próprias, desenvolve mecanismos de certificação, é até legalizada e lucrativa. Seus praticantes não são anticapitalistas, como o são os que defendem a agroecologia. É preciso separar o joio do trigo, mas o Planalto, estranhamente, preferiu deixar-se enquadrar por ideólogos.
Um terceiro aspecto a realçar é a incapacidade de nossos governantes desenvolverem uma honesta argumentação sobre tais iniciativas. Se o fizessem, seria possível iluminar esta noite escura criada e demonstrar, com números, fatos e estatísticas, que a moderna agricultura brasileira tem observado trajetória espetacular em termos de produção e produtividade e, como resultado, seu desempenho ao longo do tempo tem poupado recursos naturais em vastas proporções. Sucintamente, o desempenho produtivo da agricultura brasileira tem produzido continuamente a sustentabilidade, deixando assim a pergunta ainda sem resposta: por que não existe este debate?
Finalmente, há o aspecto mais relevante a ser citado, ignorado pela Presidência e pelos que fizeram a festa naquele dia. Modelos de ecologização da agricultura, qualquer um deles, exigem o desenvolvimento de sistemas de produção agrícola complexos, combinando diversas atividades de produção vegetal e animal na propriedade. Considerações econômicas à parte, sensatos fatores agronômicos e ecológicos sustentam a tendência, mas embutem duas consequências práticas: a gestão produtiva do estabelecimento rural torna-se extremamente desafiadora e requer maior uso da força de trabalho. Por essas razões, na prática não são modelos concretizáveis. As famílias rurais desejam o melhor da tecnologia, mas uma crescente complexidade de manejo é para raros agricultores. A lógica da produção moderna requer certa uniformidade, facilitando a administração. E quanto ao fator trabalho, os fatos são preocupantes, pois a oferta de mão de obra está caindo em todas as regiões rurais e seu preço, subindo. Por isso, modelos ide agricultura ecológica podem ter o seu lugar, mas jamais deixarão de ser nichos de mercado. Sua generalização não é viável.
Tudo isso é inacreditável e nos deixa diante de um dilema: podemos assumir que o País e seu povo são mesmo parte de uma comedia permanente e, assim, deveríamos "vestir" a alegria inconsequente dos adolescentes. Ou, contrariamente, somos tomados pela melancolia, pois seríamos um povo sujeito à condenação eterna e os genes da ignorância fariam parte de nossa estrutura de funcionamento desde sempre.
Mais detalhes em Agroecologia: as coisas em seu lugar. A Agronomia brasileira visita a terra dos duendes,publicado na revista Colóquio, volume 10, nº 1, 2013, Faeeat, Rio Grande do Sul.
Um comentário:
Que babaca esse Zander, gente...
e ainda foi do movimento, hein?!
Quejudas !!!
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