O ESTADÃO - 06/10
Sir Francis Bacon deu um conselho curioso aos que estudavam a natureza. Disse que deveriam suspeitar de tudo que suas mentes adotassem com muita satisfação. Era uma maneira de prevenir contra a ilusão de que qualquer descoberta humana fosse completa, ou tivesse completamente dispensado a vontade de Deus.
No momento (século 17) em que crescia a ideia quase herética de que existia um livro da natureza tão cheio de mensagens cifradas de Deus para os homens quanto a Bíblia, Bacon aconselhava a ciência a não desprezar o que diziam os mitos e as escrituras. A vontade de Deus se manifestava de várias formas, algumas eram apenas mais poéticas do que as outras.
A primeira “mensagem” assim identificada do livro secular da natureza foi o magnetismo, que os gregos e romanos já conheciam e os chineses já usavam na navegação, mas que só começou a ser estudado a fundo pelo inglês William Gilbert, contemporâneo de Francis Bacon na corte da rainha Elizabeth I, de quem era médico.
O magnetismo era a prototípica evidência de uma força invisível na natureza, a primeira alternativa à pura intenção de Deus por trás de tudo. Gilbert, que chamava a força magnética de “alma” da Terra, deduziu que todo o planeta era uma pedra magnética e que os imãs eram filhos da Terra, com quem ela compartilhava seu poder. E recorreu à linguagem poética, no caso erótica, para descrever a origem do ferro e da sua misteriosa propriedade, no ventre profundo do globo, igual a “o sangue e o sêmen na geração dos animais”.
Na linguagem poética dos mitos, o poder da Mãe Terra sobre o destino dos homens é anterior às descobertas de Gilbert. São muitas as forças femininas que norteiam a vida dos homens e os atraem para o conhecimento, o sucesso ou a ruína – ou tentam.
Desde Eva, culpada por termos trocado o paraíso eterno pelo saber, o sexo e a morte, passando pela Esfinge com suas charadas didáticas e por todas as musas inspiradoras, sereias tentadoras e ninfas sedutoras, e todas as gerações e gerações de companheiras de fé ou desencaminhadoras fatais que nos mantiveram no rumo ou nos desencaminharam, são todas filhas da grande mãe magnética, nos guiando pelo mundo.
Albert Einstein contava que ao ganhar uma bússola, quando era menino, teve a primeira sensação de uma força misteriosa por trás de tudo, e o primeiro ímpeto de desvendá-la. Mais do que ninguém, Einstein podia dizer que substituíra Deus pela Natureza na explicação do mundo, mas ele nunca abandonou sua devoção quase religiosa a um determinismo harmônico do Universo, cedendo a Deus, ou a que outro nome se quisesse dar ao indesvendável, esse último mistério, só alcançável pela metáfora.
Mas Einstein não seguiu o conselho de Francis Bacon de desconfiar do que o satisfazia. Satisfez-se tanto com suas certezas que passou os últimos anos da vida buscando uma teoria unificada da gravidade e do eletromagnetismo que refutasse a teoria quântica que as ameaçava, e tornava a matéria e seu comportamento inexplicáveis em qualquer linguagem, científica ou a poética. Pois aceitá-la seria aceitar um universo regido pelo acaso, ou pela estupidez. Ou tornado absolutamente obscuro por um Deus ciumento.
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